
NATURA
Data 19/03/2008 18:18:24 | Tópico: Poemas
| Natura Eu sou a mãe caótica, o Demiurgo, Criadora de tudo, tudo hei feito, A imensidade eterna do meu feito, É explosão, implosão, sorver, expurgo, Organizo e desfaço a urbe e o burgo, E a metrópole superpovoada, E na paisagem heróica, descarpada, Organizo os rochedos do meu jeito.
Sopro as nuvens a vagar no firmamento, Com canícula cruel aqueço as rochas, Num calor ígneo de milhões de tochas, Depois as resfrio a rocio, chuva ou vento, Provocando-lhes o estilhaçamento, Que modifica a face das montanhas, E no imo da terra em suas entranhas, Fundo a meu bel-prazer metais e rochas
Neste mundo caótico onde ao atrito Das tectônicas placas calor gero, Onde o tempo inexiste e eterna, espero, Acumulando a força do meu grito, Que com clagor emergirá aflito Junto ao nascer caótico de um mundo, Que surgirá do meu gestar profundo, Junto à telúrica força que libero.
A amorfa lava fundente ao mar resfrio, Em incandescentes nuvens vaporosas subo, E em nimbosas cinzas a tudo encubro, E a tepidez brumosa lembra o frio, E as novas rochas, a proa de um navio Que em nórdica paisagem errante vaga Mergulha e emerge de imensa vaga, Onde ardilosamente o exponho e encubro.
A insólita ilha, negra e fumegante, Resfriarei ao decorrer das eras, E humidificando os humos das crateras Farei surgir à vida verdejante. E ante o eterno, no ápice de um instante A vida surgirá variegada E explodirá como a surgir do nada, E inundara a ilha, palpitante.
Minha força telúrica inascida, Não posso rotular de má ou boa, Pois se um se um dia ela ativa o krakatoa Destruindo de forma inconcebida Normalmente e continuamente explode em vida Em todos os quadrantes e hemisférios, Prodigalizando a força dos mistérios, Tornando seus arcanos coisas-atoas.
Ao hálito de minhas ventas, Herculano Protegida de Zeus, Ares e Réia Teve o mesmo destino de Pompéia, Pois ao velho Vesúvio despertando A ambas soterrei, e as soterrando, Em pó e cinzas pela eternidade As conservei para a posteridade, E ainda hoje a gente as visitando.
Nos confins dos espaços aonde existo, Como buracos negros que consomem, Universos e galáxias que se somem, Em vertiginosos vórtices jamais vistos Onde consumo a luz, igual aos quistos Cancerosos a consumir matéria, E ao cancro constante das misérias Que da emergem da vida e sugam o homem.
Eu provoco o choque de planetas, Gera a força que cria os turbilhões, Movo um dedo e provoco furacões, Sou os gases das caudas dos cometas, Fui eco das bocas das trombetas, Que vibrando tombaram Jericó, Sou à força da vara de Jacó, E o terror do esturro dos Leões.
Sou o protozoário plasmódio das sezões, Sou a febre maligna terçã, Sou a bela feiúra de uma anã, E o orgulho contido nos brasões, Sou a calma do meio dos furacões E o terror das calmarias no oceano, A bondade maldosa dos ciganos, E toda força crística de Satã.
Sou a Mãe que engendra a natureza, O amor maternal é minha marca, Sou de tudo que existe a matriarca, Que retenha a feiúra ou a beleza, A beleza congênita ou a vileza, O maligno instinto, cruel ou manso, O agitado bem ou o mau descanso, O saber de Tirésias ou de Petrarca.
Sou a imponência inata do monarca, A aparência humilde de um gusano, A arrogância cruel de Vil Tirano, A brisa mansa que impele a barca, A fulminante força, que da Arca, Fulminava o impuro que a tocasse, E da vara que se Möshe levantasse Abriria as águas do oceano.
Sou a força telúrica dos dilúvios, Sou o dom de Noé e Gilgamés, Sou a cesta de vime de Moisés, E das benesses do inverno os eflúvios, Dirijo com meu sopro os “Nimbus Plúvius” Despejando-os onde necessários, E vibro vendo a vida em verdes vários, Viril varando as plantas dos meus pés.
E explodo a vida em vales verdejantes, E ondulo, brisa,o ouro dos trigais, E Corvo, ataco o dom dos milharais, E gafanhoto turvo os horizontes, Sou EU nuvens de fome e em instantes, Devoro tudo até ao rés do solo, E aos gafanhotos como fome imolo, Em oblação expiatória a tudo mais.
Sou Sereghetti, Okavongo, vida, Sou a explosão genial da fertilidade, E implosão da vida que mais tarde, Desnudara ao sol a África exaurida, Sou a terra rachada e ressequida, O Onésimo ano, o caos previsto, Sou o Nilo, a benção do Egito, E o Saara, a Mãe da humanidade. ‘ Sou milhões de gnus, que crescem e invadem A delta fértil da foz do okavongo, Sou a incrível cratera do Ngorogoro Onde a vida é perene e equilibrada, Sou o leviatã que em Massai Mara nada, E dizima as manadas que o vadeiam, Sou a chama dos fogos que encedeiam Há seu tempo, a Tanzânia, o Kênia o Kongo.
Sou o instinto cruel do leão selvagem, Que caça e elimina as crias do guepardo, A habilidade arborícola do leopardo, E as forças descomunais que interagem, E o permitem ao alto da ramagem levar a vítima enorme que o sustenta, Sou a força vital que o alimenta E a morte cruel que nunca tardo.
Eu capturo a cria da gazela, E com ela treino a minha jovem cria, Eu caço a noite tanto ao dia, Eu fujo aos predadores como ela, Eu sou a feia hiena e a Leoa bela, O belo Orix, o Ocapi estranho, A alma coletiva de um rebanho, O frio sangue da constrictor fria.
Dos elefantes a solidariedade, Dos grandes corpanzis as estruturas, As cascas, as raízes, as verduras, Que os alimentam a saciedade, E também sem resquícios de maldade, Sou a seca cruel que os elimina, Sou o vento solar que a dissemina Numa aura cruenta de secura.
Eu sou a força Bhudica de Shidarta, E a insana reação de shudodana, E o veneno dos peitos de putãna E a força de sucção que em Khisna a mata, Sou tigre caçando, que retrata, A quem o encontra a morte crua e certa, Sou a seta sibilante que acerta O gélido coração de duriodhana.
Sou os monges febris que o Buda segue Antes que minha mente o iluminasse Sou a fome cruel, que aonde chegasse, O esperava, e a sede que o persegue, Sou a meta que sonha e não consegue, Deslindar de uma forma inteligente Sou o morto, o senil e o doente E o olhar com que fiz que me avistasse.
Sou de Maomé a ignorância nata Desprovidas de estudos e de saberes, Fui eu que o coloquei entre outros seres, Luminosos, qual Cristo, qual Shidarta, Transformei sua mente em mesa farta Nas ciências de Deus, o iluminando Numa luz que ainda vem brilhando Com orações, salvares e prazeres.
Gavial, arrebato uma criança, E também sou o Ganges que o abriga, Sou o labor incessante da formiga, Sou o terror marabuta que avança, Sou o mal que antecede a bonança, Crocodilo do Nilo, terror que gero, Epidemia que grasso onde quero, Espada traiçoeira e mão amiga.
Sou anjo contendor de Israel, Esmaguei-lhe o nervo do quadril Sou Giulliano, Lampeão e Quantril, E o amargo sabor que vem do fel, Sou geléia real, sou hidromel, Sou bebida de Deuses, sou cicuta Sou uma virgem vestal, sou prostituta E arquiteto da Torre de Babel.
Lá nos santos dos santos eu gerei, Por estupro, de forma violenta, Quem, segundo os cristãos, agora senta, Ao meu lado direito, e eu nem sei, No calor do deserto eu o tentei, Ele foi divertido e até ousado, Eu por isto morri crucificado Mas em quatorze horas levantei.
Sou a massa total dos oceanos, Sou a vida que neles prolifera, Sou a fauce cruel da Besta-fera E a feiúra intrigante dos varanos, E os corais que por milhares de anos, Se agregam em arrecifes e atóis. Sou o peixe abissal com luz e anzóis Que vive em altas pressões, e lá prospera.
Sou a orça que caça, e a caravela, Fogo lento e translúcido e inocente, O veneno maligno da serpente E a siba de cores cambiantes. Sou a sede cruel dos navegantes Que naufragam em meio ao mar bravio, Sou o vento cortante, sou o frio Que enrregela seu corpo de repente, Sou o sol que aquece o indigente Sou a palavra amiga que o consola, Sou a mão que sonega sua esmola Que lhe impede o sono nos batentes Que a infesta de pústulas aderentes, Que lhe põe um mau cheiro nauseabundo Que o transforma num verme vagabundo Que a vilíssima vida deteriora.
Sou o fomentador das Guerras Santas Eu invento as armas tenebrosas E nas campinas onde crio as rosas Semeio a podridão de mortes tantas E as decomponho em tais, e quais, e quantas Formas me aprouverem e derem gozo Pois quanto mais ali sou exitoso Serão as minhas graças mais famosas.
E as minas eu as enterro e abandono Aos milhares e milhões ali as deixo, No megalomaníaco desleixo De quem pode criar, e vai criando E prevendo o caos que vi gerando Multiplica o número de aleijados Que famélicos vão desesperados Rosas vivas, girando em frágil eixo.
Sou os cadáveres vivos da Etiópia, As crianças emaciadas pela fome, A pele garça, a carne que se some, Da múmia faraônica sou a cópia... ...E das pestes que grassam, a cornucópia Assim como a indiferença dos omissos, Sou a quebra informal dos compromissos, Sou a própria miséria que os consome.
Sou a força total do gênio humano, Meta última de todo sacrifício Sou corrupto juiz do Santo Ofício Que de modo cruel, vil e profano Condena a cruel sina Giordano, E queima a milhares de outros mais Apossando-se dos bens materiais E ampliando seu dote pontifício.
O que sou, sou! ... E isto não é pouco; ... Sou a ausência eterna e infinita ... Sou o olho imortal que tudo-fita, ... Do grande terremoto o ronco rouco, ... A genialidade de latente do homem louco, A lamúria tristonha da tormenta, O assobio das frestas quando venta Sou a chuva que a nuvem precipita.
Sou o anuro, o réptil, o anelídeo O celenterado que no húmus vive, O necrófago que da morte sobrevive, E a pele descartada do ofídio... Sou o muro de pedra do presídio, O horizonte sem fim da liberdade, A virtude anormal da castidade, E o aclive contido no declive.
Sou as massas polares e o granizo, O núcleo do planeta, incandescente, Sou o grande caudal, e a nascente, O lucro material e o prejuízo, A inteligência e a falta de juízo, A força, a fortuna e a saúde A fraqueza, a doença, o ataúde, ... Bala perdida que mata o inocente.
Sou o cedro do Líbano, e a urtiga A planta medicinal e a venenosa, O odor da carniça, o olor da rosa Sou a cruel verdade e a doce intriga A doçura da paz, o ardor da briga Sou a ânsia de água do sulfúrico Sou a origem do poder telúrico Sou a musa da música, verso e prosa.
Da Amazônia sou a exuberância E sua variedade fitogênica Planta medicinal, e praga endêmica, Chuva que se derrama com constância, A vida variada, a abundância, A sucuri, as cabas, as aranhas O famélico cardume de piranhas A força da enchente, a queimada blasfêmica.
Da preguiça eu sou a lerda calma, Sou a veloz ansiedade da Irara, Sou as cores das penas da arara, Do tímido jupará eu sou a alma... Sou raízes, folhas, caules e palmas, Lianas, parasitas, flores, frutos Os ferozes felinos, os monos astutos A gramínea comum, a orquídea rara.
Eu sou o boto rosa e o tucuxí, O estranho matamatá, e a perema, A raiz laminar da sapopema, A astúcia sagaz do coati, O singelo cantar do bem-te-vi, O som peculiar do Uirapuru, Sou a batina negra do urubu, E o soro antiofídico da seriema.
Como laquesico, botrópico e elapídico, Sou a peçonha letal das serpentes, Das saracuras sou os sons plangentes Sou da coruja o cantar fatídico... Do equilíbrio da vida o ponto crítico, Sou o futuro Saara sob a mata Sou o ser ignóbil que me mata Destruindo-me os corpos e a semente.
Sou a névoa matinal que se evola Das florestas, e o frio que condensa Sou a sombra milenar da mata densa, E o machado do homem que a imola, Sou o tronco que sobre o rio rola, Sou a serra e a plaina que o destrincham Sou o guindaste que as tábuas guincham Sou o cargueiro, o braçal e o que pensa. Sou o vento terral que cedo sopra, E o vento mareal que à tarde o inverte E muda de lugar a duna inerte, Sou a água de côco, sou a copra, Sou o trôpego tropel de toda tropa Sou as fontes termais e sulfurosas Sou os espinhos que guarnecem as rosas E a anarquia que à ordem subverte.
Em mim está contido o existente E o inexistente também está contido Sou fonte do achado e do perdido O mundo em evolução, e o decadente Eu sou o refluir e a força fluente Que impele a enorme vaga destrutiva Eu sou a enorme e inertes,massa viva E englobo tudo, que existia ou haja havido.
Um simples grão de pó sou eu, ... ... E também estrela mais fulgente, E o maior corpo sólido existente, E o sol que exaurido feneceu, O arco-íris que esvaeceu, O bólido errante que no espaço vaga, A chama de uma vela que se apaga, O elo forte, e o fraco da corrente.
Sou a venalidade das palavras atoas Ditas, escritas ou imaginadas Que as coisas vivas ou inanimadas Poderes inusitados ou forças boas... ... Ou negras, atam a mim em tom de Loas Como se eu fosse algo descritível Tentam realizar o impossível Pintar o todo em simples pinceladas.
Eu sou dos sons a variedade imensa E do silêncio a voz inusitada E tal qual sou o tudo, sou o nada Sou o sumo prazer, e a dor intensa O castigo cruel e a recompensa, A pura inteligência, a ignorância, A exata coerência e a discrepância A injustiça, e a lei aplicada.
Eu sou o inimaginável! Eu sou o inconcebível! Eu sou o imperecível! Eu sou o inominável! Eu sou o impalpável! Inimitável eu sou! Também oniparente Total e onipresente... Só eu sou o que sou!
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