
NOVENTA E NOVE TROVAS
Data 22/06/2017 15:41:22 | Tópico: Trovas
| PRIMEIRA
Chamam às quadras de trovas, Quando co'o metro dileto Têm, ao trazer boas-novas, Em si um poema completo.
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SEGUNDA
Silva o rebenque no arranque: -- "Zurra burro! Relincha égua!" Que importa que a mula manque? Vou rosetar mais meia légua!...
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TERCEIRA
Olhos nos olhos da fera E pernas p'ra que te quero! Tomo onde menos s'espera Carreiras de desespero...
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QUARTA
Hoje te vejo de perto; Amanhã eu vou-me embora... À noite passo desperto Para ver-te desde a aurora!
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QUINTA
Uns olhos de verde gaio Passo os dias a admirar. Olhos que olho de soslaio Para ela não me maldar.
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SEXTA
Pôr gravata vez em quando Qual arreio em potro xucro: Nasci desnudo e berrando... Venha o que vier será lucro!
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SÉTIMA
Muitos dizem ser mentira Isto de amar de verdade. Mas quanto o peito delira Não sabem nem a metade...
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OITAVA
Se nada vem por acaso, Por que só me vens co'a lua? A saudade, em todo caso, Ao meu lado continua.
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NONA
-- "Meninas de bendizer! Mulheres de bem amar! Onde anda meu bem-querer? Onde haveria-de andar?"
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DÉCIMA
Vez em quando me lamento Das voltas que o mundo dá. Volta e meia é sentimento Algo bom em hora má.
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DÉCIMA PRIMEIRA
A morte vem a galope Montada n'um corcel negro... Doente, já tomo xarope; Triste, ligeiro me alegro.
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DÉCIMA SEGUNDA
-- "Eu vou mais logo à cidade Mas volto ainda cedinho."... O tempo d'uma saudade Não passa quando sozinho!
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DÉCIMA TERCEIRA
Abro olhos a ver e olhar, Ora raso; ora profundo. Fecho olhos a imaginar A imensa imagem do mundo.
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DÉCIMA QUARTA
Cumbuca de sapucaia A prender mão de macaco, Que nem onça na azagaia Presa dentro do buraco.
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DÉCIMA QUINTA
Alguém que cedo madruga Com mais ajuda de Deus Apenas suores enxuga, Não as lágrimas dos seus...
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DÉCIMA SEXTA
A espera de quem alcança Sempre é difícil momento. Há quem chame de esperança E outros de padecimento...
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DÉCIMA SÉTIMA
Jamais toma as minhas dores, E ainda me põe no fogo!... Com quem não morro d'amores, Só falo "olá" e "até logo".
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DÉCIMA OITAVA
Quem faz hora, nada faz: Perde tempo seu e alheio... Homem vão em horas más, Sempre bota Deus no meio!
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DÉCIMA NONA
Muitos vão do luto à luta Com sangue nos olhos fitos. Misturam fel com cicuta, No cálice dos aflitos...
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VIGÉSIMA
Mineiro não faz presença, Nem diz falso frase leda. Tampouco pede licença, Ele diz mesmo é "arreda!".
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VIGÉSIMA PRIMEIRA
Sou, como diz o outro, prático: Não caço chifre em cavalo! Quem me sabe sistemático Cala a boca quando eu falo.
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VIGÉSIMA SEGUNDA
O dia tem tantas horas, Que às vezes nem me dou conta. Ai senhores, ai senhoras, Logo o sol no céu desponta!
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VIGÉSIMA TERCEIRA
Tem a ver com ir em frente Essa coisa de viver. A gente olha e, de repente, Tudo está a acontecer.
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VIGÉSIMA QUARTA
Tem dias que nem discuto: "Tudo é como tem de ser"... N'outros, digo resoluto: "Nada tem quem tudo quer!"
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VIGÉSIMA QUINTA
Tudo é confuso -- não nego -- Quem tenho sido eu não sei, Se rei em terra de cego Ou cego em terra sem rei.
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VIGÉSIMA SEXTA
Cheio de boas intenções Faz-se da vida um inferno... O que são desilusões Quando o suplício é eterno?
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VIGÉSIMA SÉTIMA
Vive com medo de aranhas Quem d'elas teme o veneno. Eu a conversas estranhas Evito desde pequeno.
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VIGÉSIMA OITAVA
Dizem que em noite de lua Aparece assombração. Mulher de branco na rua Já me dá palpitação.
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VIGÉSIMA NONA
Devagar se vai ao longe E com Deus no coração. Se o hábito não faz o monge, Tampouco a cruz o cristão.
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TRIGÉSIMA
-- "Ó menina dos meus olhos! Ó menina d'olhos meus! Por que prendes a ferrolhos Este amor que te deu Deus?"
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TRIGÉSIMA PRIMEIRA
Se Deus fez o mundo todo Em sete dias precisos, Espalhou homens a rodo, Mas lhes negou paraísos.
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TRIGÉSIMA SEGUNDA
Nunca dou ponto sem nó Em catiras com vizinho: Levo tombo uma vez só; Na segunda, vou sozinho.
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TRIGÉSIMA TERCEIRA
Escorre à ponta dos cílios Lágrimas desde o infinito... Amor de mãe pelos filhos É o maior e o mais bonito.
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TRIGÉSIMA QUARTA
Um pai zela de dez filhos, Mas dez não zelam d'um pai... Feito trem fora dos trilhos, Ninguém sabe aonde vai.
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TRIGÉSIMA QUINTA
De dois dedos de prosa A garrafas de poesia!... A conversa é mais gostosa Quando a cachaça a inicia.
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TRIGÉSIMA SEXTA
Atrás da porta outro escuta O segredo que se esconde... Quando envolve uma disputa, Punhal vem sem saber d'onde.
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TRIGÉSIMA SÉTIMA
Cai a máscara do falso; Embarga a voz do falaz. A verdade é cadafalso Do ardiloso contumaz.
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TRIGÉSIMA OITAVA
Não sei se me calo ou falo, Mas quem só serve, servo é... Enquanto existir cavalo São Jorge não anda a pé!
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TRIGÉSIMA NONA
Quem tem dois pássaros voando, Mas nenhum na sua mão, Sonha ter de quando em quando Posse da própria ilusão.
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QUADRAGÉSIMA
Não há erro mais humano, Que fazer a coisa certa. Se é no mundo tudo engano, Dá-se mal quem o conserta.
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QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA
No sertão da minha terra, Passa boi, passa boiada... O olhar nos longes da serra; Além da curva da estrada.
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QUADRAGÉSIMA SEGUNDA
O ninho do joão-de-barro No alto do jacarandá. Parece um tanto bizarro Quando morador não há.
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QUADRAGÉSIMA TERCEIRA
Pega o boi com chifre e tudo Quem cuida da própria vida. Demanda trabalho e estudo O fazê-la bem vivida!...
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QUADRAGÉSIMA QUARTA
Conta o milagre do santo, Mas não conta o milagreiro. Gratidão não chega a tanto Quando a graça é mais dinheiro...
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QUADRAGÉSIMA QUINTA
-- “Aqui, um conto de réis! Ali, um milhar de reais! Se se vão dedos e anéis Nem já os reis são reais...
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QUADRAGÉSIMA SEXTA
A ocasião faz o ladrão; A aventura faz o herói... É, n'uma história, o vilão O que nunca se condói.
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QUADRAGÉSIMA SÉTIMA
Juventina tem cem anos; Dona Mocinha, noventa... Quem faz alegres seus planos É mais jovem que aparenta.
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QUADRAGÉSIMA OITAVA
Se é trovador quem faz trovas Penso eu ser um, afinal. Tu que lês ora o comprovas Para o bem ou para o mal...
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QUADRAGÉSIMA NONA
Venda "secos e molhados" Com cadeiras na calçada... Onde chegamos cansados A cerveja é mais gelada.
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QUINQUAGÉSIMA
Fico até mais crente ao vê-la Vir em roupas de ver Deus, Quando reza na capela Para si e para os seus.
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QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA
Se muito grande é o mundo, Ainda maior o Universo... O olhar mais largo e profundo Cabe todo n'um só verso.
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QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA
Bem diziam os antigos: -- "Tudo o que viste, Deus viu! Ele quem com mil perigos Distingue o bravo do vil."
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QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA
Vire e mexe um vem e diz Para tudo ter respostas. Triste quem quer ser feliz, Com receitas, não apostas...
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QUINQUAGÉSIMA QUARTA
Um pé de laranja lima Carregado de florzinhas, Eu olho de baixo a cima À procura de joaninhas.
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QUINQUAGÉSIMA QUINTA
Andorinha faz verão, Quando em bando, não sozinha! Uma só é solidão; Uma é só andorinha.
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QUINQUAGÉSIMA SEXTA
Quem pode ter qualquer um Não raro não quer ninguém. Antes quer, sem pejo algum, Todo mundo em vez d'alguém.
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QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA
Trago um arranjo de flores Para roubar-te um sorriso. Se em teus olhos vejo amores, Tenho tudo qu'eu preciso!
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QUINQUAGÉSIMA OITAVA
Papo de cerca-lourenço... Conversa p'ra boi dormir... Quando o discurso é extenso Se concorda sem ouvir.
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QUINQUAGÉSIMA NONA
Se alguém anda tão-somente Sem dar conta do que faz, Dá um passo para frente E dois passos para trás.
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SEXAGÉSIMA
O fogo que em vão atiço Saltou longe do braseiro... É assim quando o feitiço Vira contra o feiticeiro!
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SEXAGÉSIMA PRIMEIRA
Dias há em qu'eu me sinto De costas p'ra própria vida. Tudo parece indistinto, Já frustrado de saída...
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SEXAGÉSIMA SEGUNDA
Nas voltas que dá o rio; Nas voltas que o rio dá: Canoa em remanso frio É toda a beleza que há!
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SEXAGÉSIMA TERCEIRA
Põem a verdade de lado Quando razão querem ter! Jamais será encontrado O que já não se quer ver...
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SEXAGÉSIMA QUARTA
Corria à boca miúda A última d’algum incauto: Quem nunca a ninguém ajuda Cai no chão olhando pr’o alto!
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SEXAGÉSIMA QUINTA
À meia noite era meia lua Brilhando sobre a cidade. Andarilhos pela rua, Corações pela metade.
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SEXAGÉSIMA SEXTA
Mas quem me ilumina o rosto E parte o seu pão comigo, A este acompanho com gosto; A este que chamo de amigo.
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SEXAGÉSIMA SÉTIMA
As paredes têm ouvidos; As janelas, muitos olhos. A portas fechadas, ruídos Escapam pelos ferrolhos...
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SEXAGÉSIMA OITAVA
O coração é tambor Que bate desatinado... Mil vezes morre d'amor O que vive enamorado.
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SEXAGÉSIMA NONA
Têm tido mais alegrias Os últimos que os primeiros; Aqueles têm fantasias; Estes, apenas dinheiros...
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SEPTUAGÉSIMA
Ter erudição a uns soa Como coisa rara e nobre, Mas a maus olhos destoa, Qual seda vestindo pobre.
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SEPTUAGÉSIMA PRIMEIRA
Conto quarenta anos feitos: Já vi e vivi um tanto. Passos tortos fiz direitos... Sou bento mas não sou santo!
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SEPTUAGÉSIMA SEGUNDA
Vou para a festa correndo; Volto para casa andando... Vejo o dia amanhecendo Em folias vez em quando.
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SEPTUAGÉSIMA TERCEIRA
Tem dia que não é dia: Não houve aqui vencedor... Ninguém é na hora tardia Nem caça nem caçador.
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SEPTUAGÉSIMA QUARTA
Depois de posto em garrafa E de cruzar todo o oceano, Um vinho me afogue a estafa E alumbre o meu desengano!
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SEPTUAGÉSIMA QUINTA
Antes cedo do que tarde... Antes tarde do que nunca! Ainda que o amor se atarde, Logo de flores se junca.
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SEPTUAGÉSIMA SEXTA
Não me engano nem me iludo Em descrer dos olhos meus: O crédulo crê em tudo; O crente só crê em Deus.
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SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA
Um que nem bem vai embora E já fala em vir de volta... Triste de quem sem demora Anda com a língua solta.
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SEPTUAGÉSIMA OITAVA
Isso d'escrever poesia Para uns é café pequeno. Esses não têm alegria Nem o semblante sereno.
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SEPTUAGÉSIMA NONA
Sem-vergonha aqui é mato: Dá em tudo que é lugar! O que de manhã eu cato, À tarde torna a brotar...
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OCTOGÉSIMA
Salamaleques à parte, O respeito e a cortesia, Antes são refinada arte Que custosa fantasia..
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OCTOGÉSIMA PRIMEIRA
Quem dá o que não possui Perde até o que não tem. Não se sabe mas se intui O lugar que lhe convém.
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OCTOGÉSIMA SEGUNDA
O amor é pássaro arisco, Que se afasta quando acuado. Sabe em cada olhar um risco E em cada sorriso um fado...
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OCTOGÉSIMA TERCEIRA
Fidalgo de meia pataca! Puto sem eira nem beira!! Falando igual maritaca Um caminhão de besteira...
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OCTOGÉSIMA QUARTA
Se segunda à sexta eu busco, Sábado e domingo eu acho: Nas sombras d'um lusco-fusco, Do arrebol o último facho.
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OCTOGÉSIMA QUINTA
Vez em quando vou à forra Contra as mazelas da vida: Mesmo que de viver morra, Vou fazê-la bem vivida!
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OCTOGÉSIMA SEXTA
Eu -- mais dia, menos dia -- Parto d'esta p'ra melhor... Mas fiz tudo o que podia Com fé, esperança e amor.
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OCTOGÉSIMA SÉTIMA
Perdem as folhas o viço Quando vem no outono o frio. Antes fosse apenas isso, Mas junto com ele o estio...
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OCTOGÉSIMA OITAVA
Amanheço na esperança E anoiteço em desespero... Minh'alma jamais descansa, Querendo tudo que quero.
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OCTOGÉSIMA NONA
Molha tolos fina chuva, Que nos pega de surpresa: Cai como à mão uma luva, Tua orvalhada beleza.
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NONAGÉSIMA
Ignora a dor d'este mundo Quem vive só de aparências. Qualquer olhar mais profundo Evitam as vãs consciências.
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NONAGÉSIMA PRIMEIRA
À custa d'algum versinho, Perdia a hora vez em quando... A manhã em que escrevinho, Cheira a café fumegando.
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NONAGÉSIMA SEGUNDA
Em teus olhos vejo estrelas; Em teu sorriso, promessas... Muito dizes sem dizê-las Com esperanças como essas.
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NONAGÉSIMA TERCEIRA
Além do bem e do mal, As razões do coração Pesam mais do que, em geral, Qualquer razoável razão.
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NONAGÉSIMA QUARTA
Nada como um outro dia Para se entender o havido. Quem ontem riu d'alegria, Hoje está entristecido...
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NONAGÉSIMA QUINTA
Temo que a estrada da vida Após muito caminhar Dê n'um beco sem saída Ou mesmo em nenhum lugar...
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NONAGÉSIMA SEXTA
Ser feliz -- quer sim; quer não -- É mais empenho que sorte: Uns buscam ser na ilusão; Outros, só depois da morte.
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NONAGÉSIMA SÉTIMA
Busca com tua conduta Ter Liberdade primeiro! Melhor um dia de luta Do que mil de cativeiro...
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NONAGÉSIMA OITAVA
Às letras eu me dedico Por mais e melhor saber. Não que me façam mais rico, Sim me ensinem a viver.
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NONAGÉSIMA NONA
-- "A quantas andam as trovas Com que costumas poetar?" -- "São noventa e nove novas N'esse livro de folhear."
Betim - 12 05 2017
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