
Sobre o poema
Data 21/05/2017 23:35:28 | Tópico: Poemas
| 1. "Há já muito tempo que não escrevo um poema" E não me tem feito falta alguma Tenho acumulado, neste bloqueio de estro, dias vazios Leveza nos ossos, espasmos no tempo e folhas em branco E já são tantas Que podiam causar-me diferença Nos braços cruzados sobre a barriga à míngua de letras Ou na fome de as escrever Sobre qualquer coisa muito açucarada.
Quando o tédio da vida corre diabético nas veias O melhor é não escrever indigestões E adoptar uma dieta de versos.
"Há já muito tempo que não escrevo um poema" Tenho acumulado folhas em branco E dias vazios, imaculados E são tantos Que se os escrevesse agora, já fora de prazo Tinha de joga-los no lixo com as letras amarrotadas Impróprios ao consumo de quem têm muito apetite. O tempo faz destas coisas à vida e ao poema também.
2. O poema não quer saber da poesia para nada Nem do poeta que o escreve Assim que nasce emancipa-se, corta os laços da filiação E tenta encontrar um lugar no mundo Visibilidade, espaço, com sorte, fama
O poeta erra ao querer defender o poema Ao tomar-lhe as dores Ao querer tutela-lo até ao último dia que vive E depois, quando morre O poeta espera que o poema lhe vá levar flores à campa E que não deixe esquecerem-lhe o nome
O poeta erra por pretensão Porque quer brilhar mais que o poema Mas o poema, órfão por opção, não se importa Pois sabe que não está nas mãos do poeta Ser adoptado pelo mundo ou não.
3. O pensamento maltrata o poema Tortura a palavra Intelectualiza, à força, a ideia Que era simples e pura Formosa e sem forma Tornando-a mecânica e dura
[Estende-se com lógica pela linha do verso E mata a rima]
Então, o poema mente, por vezes Outras, assume o pecado Mas nunca se rende Nunca recua na folha vazia E no fim, aos olhos de todos Depõe feito réu E é declarado culpado.
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