
APU INTI - o sol de maio
Data 01/05/2016 06:29:16 | Tópico: Épicos
| APU INTI - o sol de maio
introito I Por uma Terra sem males; Sem fronteiras verdadeiras! A Terra das mil palmeiras Onde os mais extensos vales Têm irmanadas bandeiras!...
II A Terra das cordilheiras Onde os Andes sem igual Tocam o céu tropical! D'onde as mais alvas geleiras São dos rios manancial!
III A Terra do sol austral, Que Pacha Mama fecunda. Dos altiplanos oriunda, Ao baixio litoral De grandes águas inunda!
IV A Terra que d'ouro abunda E d'onde emergem, noviços, Aqueles cujos serviços Mais Uiracocha aprofunda Pelos mundos fronteiriços!
V A Terra d'homens mestiços!... De misturar sangue e pele Uma fé maior se revele Por maravilha e feitiços Se mais além nos impele!
VI A Terra a quem se rebele Seja dos povos farol!!! Livres do jugo espanhol Contra a Coroa 'inda vele, De tais reinos ao arrebol!
VII Liberdade!!! Brilha ao sol! Brilha no mais belo maio! D'oura a Terra cada raio Enquanto bravos d'escol Pelo Pampa verde gaio!...
VIII A coruja, de soslaio, A ver os Libertadores Augura dias melhores Ao passo que um papagaio Se lhes imita os ardores.
IX Eis fidalgos e senhores Cá descalsos e desnudos; São homens tristes e mudos, Cujos morenos humores Repete a ave em ditos rudos:
X "Si! Buenas! Que tal! Saludos!" Arremeda na algazarra... Enquanto longe a cigarra Àqueles homens sanhudos Invita a chorar guitarra.
XI Sem embargo, à sorte agarra Tão-só quem for escolhido! Tantos quedaram no olvido Sem ver esse sol que narra Dos heróis o fado havido.
XII Tantos julgaram perdido Esse dia ensolarado... Esse maio iluminado Quando o tirano vencido Fosse enfim desbaratado.
XIII Tantos pensaram errado Sobre o realismo dos factos E condenaram os actos Dos que rompendo o mal fado Mantêm os ideais intactos.
XIV Tantos tão estupefactos Ao verem chegar essa Hora Vítimas mandam embora. Quem com temor firma pactos, Quando a Justiça apavora.
XV Tantos temeram a aurora Desse sol que em tudo brilha... E, cegos à maravilha, Fogem pelo mar afora, Buscando insabida ilha...
XVI Porém, por milha após milha, O Sol de Maio ilumina! Agradável na neblina Por meridional coxilha É tê-lo a arder a retina!
XVII Livres da fúria assassina: Após tão insana guerra, Por dividir toda a terra Com Sete Povos termina E tantos outros desterra...
XVIII Rio em rio; serra em serra, Raia o Sol da Liberdade! Inti por solar invade Os rincões da Nova Terra, Trazendo a nós Igualdade!
XIX Ide aonde houver cidade, Vila, aldeia, forte, fazenda... Brilhai à nossa oferenda De pela Fraternidade Evitar toda contenda!...
no caminho de Peabiru
XX Indo aonde dá a senda Que vem da Serra do Mar. Para bem atravessar Quando de Sumé a lenda Fui de Uiracocha lembrar.
XXI Contam que viera do mar E tinha pele e olhos claros. Aos tupis, antes ignaros, De tudo soube ensinar O velho de gestos raros.
XXII Sumé lhes mostrou quão caros São os frutos do cultivo. E como o povo é mais vivo Quando livres dos avaros Cuida do torrão nativo.
XXIII Pois, tão sábio quanto ativo, Sumé cuidava de todos. Enquanto de muitos modos Buscava dar lenitivo Com seus emplastros e lodos.
XXIV Fugia, contudo, a engodos Que os chefes, por invejosos, Lhe preparavam aos gozos Para mor temor de todos Em caminhos perigosos.
XXV Cercado por numerosos Guerreiros de flecha em riste, Sumé os olha bem triste, Lembrando a tais ardilosos O fim de tudo que existe:
o discurso de Sumé
XXVI -- "Chefe ingrato! Não ouviste Quanto te fiz descobrir? A trilha que fiz abrir Leva aonde jamais viste; Por onde irão no porvir..."
XXVII "Caminho de ir-e-vir, Leva para alta montanha Onde riqueza tamanha Espera a quem lhe sorrir Porquanto primeiro a apanha."
XXVIII "Sorte co'a morte barganha, -- Advirto-vos, todavia... -- Aquele que por tal via For seguir com fúria e sanha Morrerá na travessia!"
XXIX "Certo como a luz do dia, Outros virão pela fama D'essa riqueza, que inflama Quem d'ela falar ouvia E mais porfim a reclama."
XXX "Consumidos por tal chama, Serão como gafanhotos: Famintos por sobre os brotos! Vorazes em cada rama! Os impiedosos devotos..."
XXXI "Esfarrapados e rotos Carregarão ouro e prata! E, quem atravessa a mata, Apresa ainda os garotos Das tribos que desbarata."
XXXII "Vós-outros vereis que a ingrata Partida que me dais hoje, Fará que outrem vos enoje Ou mais rirá da bravata Antes que mais vos despoje..."
XXXIII "Este, que agora vos foge, Vos teve zelo paterno. Mas tal é o modo hodierno Que, embora me desaloje, A vós trará outro inferno!"
o rio da Prata
XXXIV Pelo solstício de inverno... Clamai todos por Inti! Que não se vá; fique aqui, O Sol que no sul eterno E nos Andes conheci.
XXXV Eldorado... Potosí!... São lágrimas do sol o ouro. Prata as da lua... Tesouro Que, inopinado, perdi Com incurável desdouro.
XXXVI Se ao século porvindouro, Deixarem por fim malditos Os filhos d'estes conflitos Captivos do mau agouro De Sumé expulso a gritos.
XXXVII Quem por sertões infinitos Andara até dar em Cusco... Hoje, no Peabiru busco Os rastros dos que contritos Tiveram um fim tão brusco.
XXXVIII As almas do lusco-fusco Habitam ainda a estrada... Volvei, oh Sol! Não há nada Nas chamas vãs com que ofusco A minha triste mirada.
XXXIV D'essa pena amaldiçoada Quem, pois, nos redimirá? Sempre oprimida será Tal descendência fadada? Por crimes pagando está?
XXXV Acima de tudo o que há Volvei, oh Sol que liberta! Cessai essa noite incerta Que eterna perdurará Não fosse estardes alerta...
XXXVI Amanhace. 'Inda deserta A estrada com seus cansaços Vou me expandir por espaços Enquanto à passada aperta Na ânsia de fortes abraços.
XXXVII Vou esticar os meus braços Ao sol, qual voo de urubu... Se, do Brasil ao Peru, Alcatifam os meus passos As flores do mulungu.
XXXVIII Enfim a foz do Iguaçu, Que ao Paraná agiganta! E a sua beleza é tanta Que mesmo meu olhar nu De maravilha se encanta.
XXXIX Ali, soltar da garganta Três canções d’esperança Que fale da eterna aliança Dos povos na fúria santa De manter mútua confiança.
a canção do Iguaçu
XL Tens com o mar semelhança No centro do continente! Água grande onde a Serpente, Em quedas como lembrança Há-de estar eternamente.
XLI Tens com o mar, certamente, O mesmo modo que estronda A queda, como que alta onda, A neblinar permanente Onde a ousada harpia ronda.
XLII Tens com o mar a redonda Forma de cortar a terra Ao contornar cada serra. Ainda que em si esconda As razões pelas quais erra.
XLIII Tens com o mar sua guerra, Em pleno oceano a avançar. E o força até conquistar O amplo estuário onde encerra Correndo dentro do mar!
XLIV Tens com o mar seu lugar, Pelo Prata, as águas grandes, Que descem desde os Andes E desde a Serra do Mar... Tu, Iguaçu, as expandes!
o lunar de Sepé
XLV Junto às ruínas, só landes, Cercando a antiga Missão. Da lua cheia o clarão. Ilumina ainda que andes Só em meio à escuridão.
XLVI
Silencia a redução Ao agouro da juriti... A cruz recorda que ali Sete povos d’uma nação Morreram porque vivi...
XLVII Se choro do facto em si, Alegra-me descender De valentes que ao morrer Deixaram vivas aqui Suas razões, a saber,
XLVIII A terra, o filho, a mulher, O certo, o justo e o trabalho. Jamais perder quanto valho Para entregar a qualquer Com plano estúpido e falho!
XLIX Isto é fazer d’espantalho Seu ídolo d’ouro e prata. Mas quem de Deus faz barata Imagem, mais nada atalho, Tampouco lhe acuso a errata.
L Recordo de longa data A memória de Sepé. O que lutando de pé Prefere a morte que ingrata Vida vivida sem fé.
LI Pois mais vero martírio é Deixar o que se constrói, Enquanto o tempo destrói Vilas, lavouras e até As esperanças do herói...
LII Quem do justo se condói, Julgue como agem tiranos: Tomam com perdas e danos, Enquanto a angústia corrói De libertários os planos.
LIII Tratam de vinhos e panos... E levam-nos pratas e ouros! Por se colher alheios louros Governam só com enganos E rapinados tesouros!
LIV Pelos séculos vindouros São brumas da longa noite... Os que validos de açoite, A ferros em seus pelouros Punem a quem mais se afoite.
LV Assim, nos Pampas pernoite A alma do herói pelos breus Correndo os caminhos meus, Enquanto o tirano açoite Como não houvesse Deus...
LVI Salve Sepé mais os seus! Todos valentes d’escol. Tremam o luso e o espanhol, Que na ilusão de apogeus Não veem o próprio arrebol...
o solar de Tupac
LVII Cantai o filho do sol! Saúdo, à luz d’alvorada, Àquele que fez morada No dourado girassol Seguindo o sol co’a mirada.
LVIII Face sempre iluminada, Resplende a força do novo, Que libertaria o povo Ao se negar à ordem dada Contra o rebento; o renovo.
LIX Este valente a quem trovo, Para os homens das alturas Revela de Inti figuras: O disco solar de novo Tem a face das criaturas!
LX Dos incas, as desventuras... Dos espanhóis, a contenda! Logo o passado desvenda Por devolver as culturas A toda a gente que entenda.
LXI Para Cusco, em velha senda, Segue com grande alarido. O povo crioulo reunido Aos nativos da fazenda Retomam Inti d’olvido!
LXII E um brasão desconhecido Elevam por estandarte: Eis o solar que reparte Seus raios sobre o destemido E brilha por toda a parte!
LXIII Eis o solar que enfim farte Pacha Mama ao olhar fecundo E traga do chão profundo Os frutos que se comparte Entre os filhos d’este mundo.
LXIV Tupac se arvora o segundo, Pois de Amaru descendente, P’ra liderar sua gente Contra um opressor imundo Que não o ataca de frente.
LXV Assassinado friamente Por sequazes, às escuras. Deixa, porém, as figuras De Apu Inti resplendente Para as gerações futuras.
vinte e cinco de maio
LXVI Descendo ao Prata procuras O pendão alviceleste Onde Apu Inti reveste O centro de áureas ternuras: Alto sol a raiar n’Oeste!
LXVII Descendo ao Prata soubeste D’um dia de sol de maio. Quando Inti fez de seu raio A luz que sempre quiseste Sobre o Pampa verde gaio.
LXVIII Descendo ao Prata, gandaio, Viste com teus próprios olhos O sol que mostra os abrolhos. Povos do Sul, proclamai-o Erguendo-lhe capitólios!
LXIX Das leis escritas nos fólios Em letras d'ouro escrevei: "Sob o Sol, a Magna Lei: O povo livre de espólios, De si, soberano e rei!"
LXX Povos do Sul, bendizei Nossa tardia Igualdade! Dos livres, sede a verdade E no mundo a defendei: -- "Liberdade, Liberdade!"
epílogo
LXXI Vem d'alguma antiga idade O nome que luz nos Andes Que tu, libertário, expandes. Vem d'aquela alta cidade Onde os incas foram grandes.
LXXII Enquanto o Peabiru andes, Rumo a Cusco, sob o sol, Lembra do jugo espanhol; De Sete Povos, as landes; Do Peru, o girassol...
LXXIII Livre serás sempre em prol De ver o mundo, gandaio, Desde o Pampa verde gaio, Contemplando outro arrebol, À luz d'este sol de maio.
Betim – 01 05 2016
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