
Sentado ao Luar
Data 01/02/2016 20:09:54 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| (Oiça o poema recitado pelo próprio autor, tendo como música de fundo o trecho musical "Sôdade" interpretado em françês por Chris Felix, acompanhado de Armando Cabral, Luís Morais e Cesária Évora)
Sentado ao Luar
Aqui sentado neste vítreo luar de uma lua redonda e cheia,
Medito no trôpego andar desta minha vida vazia e feia;
A minha vida é um luar apagado de uma lua de outra era,
É um vulcão inacabado em profunda cratera;
Assim que este luar tão claro de um brilho tão envolvente,
Não é senão o oposto do meu mundo avaro de uma escuridão ingente;
O meu mundo jaz nas profundezas de um abismo que se abriu fatal,
E aí dorme imerso em cruezas de uma perpetuidade brutal;
A vida não é mais que um breve sorriso que súbito aflora e logo se esvai,
Ou um vago olhar impreciso cuja imagem logo se vai;
O tempo corre e a vida a ele se agarra e corre também,
E o laço que os prende não se olvida de se desprender quando a morte vem;
E a morte sempre a ceifar dia após dia sem punição,
Vive sem nunca se saciar da vida sem norte dos que se vão;
E entretanto a vida vive zombando das pressas inúteis,
Daqueles de quem não se olvida de arrastar para caminhos ínvios e fúteis;
E assim aqui neste luar de uma rara beleza apurada,
Sinto mais forte o vão vegetar desta minha vida parada;
E ansioso espero o vendaval que me há-de arrancar desmascarado,
Das profundezas do abismo fatal onde há muito estou embalsamado! -------------- // --------------
Este poema reflecte um profundo estado de desânimo. O está triste e desanimado. O está com saudades de momentos felizes que viveu nalgum período do seu passado. Ao contemplar um luar tão belo, a sua alma extasia-se perante um quadro de tão rara beleza. Mas ao mesmo tempo a sua alma mergulha em sofrimento profundo porque sente que não está a desfrutar dos encantos que a Natureza, que a Vida, lhe proporciona. “… A minha vida é um luar apagado de uma lua de outra era…” . E o chega mesmo a ser mais directo e a confessar que o seu mundo está praticamente destruído. “… O meu mundo jaz nas profundezas de um abismo que se abriu fatal…” e prossegue dizendo que o seu mundo está povoado de inúmeras baixezas, falsidades, injustiças, crueldades… que nunca têm fim
“…E aí dorme imerso em cruezas de uma perpetuidade brutal…” Mas o não é de todo pessimista. E, mais uma vez aqui fica provado que a esperança é sempre a última a morrer. O tem a esperança de que a sua vida voltará a ser o que era nos seus tempos áureos, tem a esperança de que uma viragem da sorte, do destino, lhe trará novos ventos e então lança o grito da esperança, o grito que lhe dará a força de que necessita para se erguer do desespero, levantar a cabeça e desbravar ele próprio, sem máscaras, sem falsas aparências, os novos rumos do seu destino… “… E ansioso espero o vendaval que me há-de arrancar desmascarado // Das profundezas do abismo fatal onde há muito estou embalsamado …”
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