
À ESQUERDA DAQUELA ÁRVORE
Data 17/02/2008 01:56:14 | Tópico: Poemas
| <br />Victor Jerónimo Lisboa/Portugal Não sei se alguma vez isto se passou com vocês no Jardim Botânico, que é um parque muito calmo onde se pode sentir sempre próximo uma árvore, mas tem sempre que cumprir-se uma cláusula... ...que a cidade fique tranquilamente, longe. O segredo é apoiar-se digamos, num tronco e ouvir através do ar, que admite ruídos mortos como se Reis e cavaleiros galopassem entre as trevas. Não sei se alguma vez isto se passou com vocês mas no Jardim Botânico, sempre existiu uma agradável propensão para os sonhos, porque os insectos sobem pelas pernas, porque a melancolia desce pelos braços, até que uma palmada nossa os afaste. Depois disto tudo o segredo é olhar para cima e ver como as nuvens lutam entre as copas e ver como os ninhos lutam pelos pássaros. Não sei se alguma vez isto se passou com vocês mas há casais que buscam o Botânico eles descem de um táxi, ou saem das nuvens falam normalmente de temas importantes e olham-se fanaticamente nos olhos como se o amor fosse um pequeno túnel para se contemplarem dentro desse amor. Olhem, por exemplo, para a esquerda daquela arvore falam e, as suas palavras, param comovidas a olharem-se e, a mim... nem sequer seus ecos chegam. Não sei se alguma vez isto se passou com vocês porém, é lindo imaginar o que dizem sobretudo se ele morde um ramo, ou se ela deixa um sapato entre as pedras, sobretudo se ele tem uns olhos tristes ou se ela quer sorrir, porém não pode. Para mim o rapaz está a dizer o que se diz muitas vezes no Jardim Botânico Olha, chegou o Outono O sol de Outono E sinto-me feliz Que linda que tu estás Sinto-me feliz Quero-te No meu sonho Da noite Onde escuto as conchas, O vento no mar E sabes? Aqui também há silencio Olha para mim Quero-te, Eu trabalho muito Faço números Fichas, Discuto com cretinos, Distraio-me e zango-me Dá-me a tua mão Agora Sabes? Quero-te muito Penso ás vezes em Deus Não tantas vezes, como gostaria não gosto de roubar o seu tempo mais a mais está longe agora tu, estás ao meu lado e, agora mesmo estou triste estou triste e quero-te já passaram muitas horas na rua está um rio as arvores ajudam os céus e que sorte a minha quero-te há muito era menino há muito o que importa o azar era muito como entrar em teus olhos deixa-me entrar quero-te deixa-me entrar quero-te menos mal, mas quero-te Não sei se alguma vez isto se passou com vocês mas pode acontecer de repente e sem aviso, Porque na realidade trata-se de algo desolador desses amores de fortuna e azar que Deus não admite nos seus céus Reparem que ele acusa-a com ternura e ela esta contra a cortesia, Reparem que ele vai falando de recordações e ela fica consternada misteriosamente. Para mim ela está a dizer o que se diz muitas vezes no Jardim Botânico, Repara no que falaste Nosso amor Foi sempre uma criança morta Mas há pouco, parecia Que ía viver E que, venceríamos Porém nós dois fomos tão fortes Que o deixamos sem seu sangue Sem o seu futuro Sem o seu céu Uma criança morta Só isso Maravilhoso e condenado Nunca terá um sorriso Como a tua Doce onda Nunca terá uma alma triste Como a minha alma Pouca coisa Nunca aprenderá com o tempo A usar o mundo Porém as crianças que assim vivem Mortos sem amor e Mortos de medo Têm um coração tão grande Que se destroem sem o saber Tu disseste-o Nosso amor Foi desde sempre uma criança morta E que verdade dura e, sem sombra Que verdade fácil e, que pena Eu imaginava que era uma criança E afinal era, uma criança morta Agora pára Pára Mede a tua fé e recorda O que podíamos ter sido Para ele E que não pôde ser nosso E mais Quando chegar Abril Vê onde estas Que eu levarei flores E tu comigo Não sei se alguma vez isto se passou com vocês porém o Jardim Botânico é um parque sonolento que só desperta com a chuva. Agora a ultima nuvem parou e molha-nos como se fossemos alegres mendigos. O segredo está em correr com precaução para não matar nenhum escaravelho e não pisar os fungos que aproveitam a chuva que nascem desesperadamente. Sem prevenir dou a volta e sigo, Áqueles que à esquerda da árvore eternos e escondidos da chuva, Falando quem sabe, que silêncios. Não sei se alguma vez isto se passou com vocês mas quando a chuva cai sobre o Botânico aqui só param os fantasmas... Vocês... podem ir-se. Eu... fico aqui!... Escrito em Outubro de 1988 no Jardim Botânico de Lisboa
Terra Latina, Antologia Poetica Internacional (2005) ISBN 85-905170-3-9
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