
A Dona poesia e o passarinho
Data 25/07/2015 23:17:07 | Tópico: Contos -> Tristeza
|  Numa bela tarde de primavera, a dona poesia veste-se a rigor, da sua mala de madeira, escolheu melhor blusa de cetim, e do reportório, as mais belas frases, onde botara todo seu mundo. Era uma tarde cinzenta, o vento soprava e do mar agitado vinha brisa fedorenta do lodo. Ela não se importou com o cheiro, alisou o cabelo e apressou os passos. Na sua passagem pelo jardim, deparou-se com um pássaro que chorava convulsivamente, abrandou os passos e lacrimejou, estava tão emocionada, tirou da sua mala um lencinho e enxugou lágrimas ao pobre pássaro que nunca parara de chorar, afagou-lhe cabelo grisalho, porém, o passarinho chorava cada vez mais. Dona poesia, desfeita em lágrimas decidiu cantar-lhe uma serenata, o passarinho escutava comovido aquela melodia que soltava dum coração à pingar de amor. Secaram-se-lhe as lágrimas e no seu semblante aflorou alegria. Em sinal de gratidão, o passarinho lhe emprestara a voz. A dona poesia retomara passos apressados, pois tinha encontro com fazedores de poema. A escassos minutos chegou ao salão dos poetas, era o dia de declamação de poemas e era sua vez de declamar, subiu ao palco, hesitou, quase que desmaiara, houve murmúrios na sala, o silêncio se tornou pesado e, como se acabasse de sair dum sonho, ela olhou pra plateia em alvoroço e da sua linda voz, ecoou uma serenata que deixara os espectadores em delírio, todavia os juízes não pareciam convencidos e puseram-se a cochichar… Por fim levantaram-se e deram uma negação. Foi então que à janela assomou o passarinho que se pós a cantarolar a serenata. Dona poesia comovida acompanhou o passarinho e ambos cantaram a mais bela serenata de todos os tempos. Os espectadores correram com os juízes. E a partir daí, as declamações de poemas passaram a ser dirigidas pelos espectadores, dos juízes nunca mais se ouve falar.
Adelino Gomes-nhaca
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