
Quando eu morrer
Data 12/07/2015 19:30:56 | Tópico: Poemas
| Quando eu morrer
Quando eu morrer... Não quero gritos, nem lamentos, nem velas a arder enchendo os aposentos de dor e fraca luz... Nem coroas, nem saudades, nem «bouquets» Nem água benta colocada a meus pés com ramos de oliveira... Nem gritos, nem choros, nem perdões Nem vultos negros murmurando orações À volta do meu leito... Nem sedas, nem rendas, nem brocadas, nem tapetes negros prateados debaixo do esquife... Nem desfiles à volta do caixão Nem beijos de paz e compaixão no meu rosto gelado... Nem flores pousadas sobre mim sejam cravos, rosas ou jasmim ou ervas de valetas...
Quando eu morrer... Não quero do mundo um enterro faustoso Nem música, nem cortejo moroso com negras carpideiras... Nem discursos de carácter sério à minha roda lá no cemitério com frases estudadas... Não quero féretro de madeira dourada forrado de seda prateada empoçado em éter... Nem carro fúnebre coberto de zingalhos cheirando a befiro (cheiro de alhos...) Guarnecido a veludo... Nem quero capela ou mausoléu jazigo de mármore (que sei eu?) com estátuas de gesso... Nem correntes de ferro brazonadas Nem pedras ricas, trabalhadas com nome e inscrições... Quando eu morrer... Quero uma campa rasa, campa nua Sem enfeites das montras lá da rua Na terra negra e fria... de branco vestida quero ir Daquele branco que é dia a ressurgir no amanhã da vida... Quero crianças a cantar ao redor hinos ao céu, à vida, ao Amor em coros divinais... Coros celestes, do Reino de Jesus vestidas d'alvo ou do roxo da cruz Junto do meu cadáver... semeiem violetas lá na campa Mas não façam romagens (não sou santa) nem chorem sobre mim... Violetas quero eu, das dos pinhais As pobres, as que não são reais nem possuem beleza... Não digam que sabem que morri Para vós, mortais, nunca existi Apenas sombra fui... E se as crianças pisarem o meu leito não quero pragas (isso é feio, mal feito!) E as crianças são todo o meu amor! Quando eu morrer... Asas do céu hão-de ir visitar-me E coisas de Deus hão-de cantar-me E eu hei-de falar-lhes... E contarei às crianças coisas minhas histórias de princesas e rainhas de moiras encantadas... Quando eu morrer... Quero estar só com a amiga morte e dar contas a Deus da minha sorte do bem, do mal que fiz... Não chorem, não gritem, por favor! A morte é branca, negra é a nossa dor mas o céu é azul...
Quando eu morrer... Erguida ao Céu quero uma cruz bem forte Triunfo da vida sobre a morte no meu leito de pó... Depois... Quando passar algum ateu Há-de curvar-se e tirar o chapéu ao passar junto da criz... Depois... só... olhar... parar... E quase contricto murmurar: "Aqui morou Jesus!" Maria Helena Amaro 1957 http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2015/07/quando-eu-morrer.html
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