
Épico dum mundo quase sem cor
Data 04/03/2015 22:20:51 | Tópico: Poemas
| Murmuram, os ventos, conversa conhecida Dos senhores das calçadas, risos de gengivas, aposentados Nas arenas esportivas, os gritos são iguais E o que se ouve nos rádios, os crimes da noite As bem-aventuranças da manhã Quase tão fatais quanto a morte
Faz música, quem observa as beiras das estradas As pradarias dançando à canção regida pela brisa Os rumores silenciosos dum mundo senil, analfabeto No horizonte, haverá sempre mais múltiplos, mais variáveis Por enquanto, o horizonte afasta-se, sem recurso O que aprendemos na vida é que não se chega nunca A lugar algum
Eterno movimento, este jogo de luzes confusas Essa eterna sala de espelhos, distorcendo-nos Almas dançando num lago de luz, perdidas Encontradas diante da vastidão escura do espaço O tempo devorando-nos e cuspindo novas vidas No interior escuro do ventre duma indefesa mãe
Os jovens guiam charretes através do sol do fim da tarde Os velhos suspiram pela derradeira vez sobre seus leitos Música surge dos céus e pincela a vida, sutil, sutil E a arma dispara – e as vidas se vão Retornando, contorcendo-se através das vielas sombrias da morte Que era a vida mesmo, afinal? Era tudo, e tanto mais... E quase nada... Era nada.
Que é a vida diante dum dedo magoado na quina da porta? Diante dum acorde mal colocado, os dedos a tremer... Que é essa correria contorcida, luzes de postes queimadas Sambas herméticos e olhares mal encarados Tudo que quero da chuva é o tamborilar, Haverei eu de chover também?
Participo e brinco, e observo, amando E amo a vida como o coveiro ama sua pá E repugno a própria ideia da existência Como um câncer espalhando-se através dum mar indefinível Anos-luz de anos-luz de anos-luz de infinidade E amo este câncer mais todos os dias Chicoteia-me, o amor, rasgando-me as costas Com duros pregos de ferro
Delicia-me, o cheiro dos funchos Repugna-me, o cheiro dos cadáveres animalescos E são ambos o mesmo cheiro! Amo-os, e são a própria morte O amor está no morrer dolorido, mas amando
Virem-me os olhos, que me perscrutam Cabeleiras esvoaçando-se frente ao vento febril dos ventiladores Conversas tolas, quase dogmáticas verdades divinas Pedaços de chão fantasiando-se com decência Areia quente, que suga o sangue dos inocentes Um medo indizível da eternidade, um medo indizível do fim Um medo quase catastrófico do amor
Ah, que é este veneno que me toma o corpo?! Ameaça-me com mãos macias como seda Promete-me tudo, num sussurro indolor Hálito de grama recém-cortada, dedos da aurora Santos e demônios jamais ouviram falar...
Observo, noto o amor e me escondo Enquanto derreto, como um cubo de gelo sob o sol Entrego as mãos de olhos fechados, e que me conduza Através da estranheza áspera dos becos escuros Das vielas arborizadas e das periferias macabras Me toma o coração como a lua cheia toma o mar
Quando crescer, quero ser poeta, Quem sabe assim não consigo descrever tudo isso...
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