
O Voo do Phenex
Data 22/10/2014 06:12:51 | Tópico: Poemas
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Agora a crispa chispa na crista da onda da vela preta. A vela grita o chiste do tempo, o ato falho que nunca tarda na gafe do golpe do golfo, do vômito de letras tortas e ideias mortas no microcosmo de mim.
Sinto a verve pelas entranhas. Na barriga. Como sentí o amor ou as borboletas do estômago, como sinto as coisas e a gastrite e os peidos por dentro de mim a existirem podres, metanos, metais da ignorância das minhas entranhas que sentem poemas de ferro que pulsam vermelhos no verso do avesso de mim.
Bela noite para poema turvo. Um poema sujo passado na água sanitária. Um poema de respingos de merda na louça branca. Branca. Branca. Pingada de merda. Merda cor de burro quando foge, merda certa, anarquista, fugitiva do vão aquático da latrina. Merda artística, pareidolia fecal. Escatologia dos poemas noturnos à luz de velas. Poemas sujos. Turvos. Turvos. Poemas que dão soco no muro escuro e o escuro é claro como a latrina e a merda toda.
Sou do pai das luzes. Do que pariu de sua cloaca os fótons iluminados, os vagulmes alados dos meus paraísos artificiais.
Sou filho do pai das luzes. Luz e fé. Fé na luz que dá em pé, no poste nas ruas da cidade. Nas pontas das cabeças de fósforos. Fiat Lux. Faça-se luz sobre as trevas e verbo na erva desse poema louco. Na relva de gênesis e éden e luz. A serpente e a maçã. A luz do amanhã. Lúcifer. No sol e na bandeja para Rita Lee, cantando fino ave lúcifer, e a serpente ali enrolada nos seus pés. Você caminhando sozinho no escuro, no claro, de noite, de morte, de dia, Ave Maria! Mãe de lúcifer, mãe do cristo. Antes, anti, Anti-cristo. Viva, viva! Fogo dito! A vela acesa é o grito.
Há uma certa dor mas a verve ainda está. Vibra tão forte o espírito, que mal consigo mastigar o alimento que tento colocar na boca que fala palavras pra dentro. No refluxo do fluxo de consciência. Tenho que parar com recursos de inteligência pra deixar a coisa vir, ciência de outros mundos que cavalgo na velocidade das letras do meu teclado. A pena moderna sem eras dos poetas de hoje que sou, que são, que pão? Pão que o diabo ama, sou.
A liturgia sagrada de um poema é uma espera de um embrião qualquer, uma força que chega e te convence da palavra. Nem todos podem fazer poemas. Porque não sentem a palavra no seu sentido sagrado. Não conseguem vibrar pelas escansões ou pelas canções que fazem as sílabas nos confins do universo a cada fim de um verso. Verso não tem fim. São oito. Deitado. Infinito e sagrado.
Vejo a criança que nasceu no invólucro que eu conhecera desde antes. Mas um antes tão pouco, tão perto do agora que o infante sem demora parece mais um assombro. Um assombro do tempo. Que passa. Passou tanto que a pessoa ama, a pessoa casa, a pessoa tem filhos que nascem, abrem os olhos, Enquanto eu ainda estou aqui. Fazendo o quê? Fazendo algo que não filhos - isso o sei. Não faço filhos. Não planto árvores. Não escrevo livros. Eu escrevo poemas sobre árvores e imagino livros que penso em escrever um dia. Um dia talvez, à sombra de uma árvore, livros para ler aos meus filhos ou aos filhos dos meus filhos, ou aos filhos de Adão. Todos eles. O filho da amiga nasce. O tempo passa. O tempo passa e eu faço o quê? Eu sobrevivo apesar de mim. Apesar dos dias de começo e fim. Apesar da ausência de sim quando eu desejo quando eu desejo tanto... Sinto pavor e espanto desse tempo fronteiriço, úmido e que passa diferente aos outros, sobretudo a mim. O meu tempo não tem fim. Até enquanto eu durar! Eu não tenho tempo. Eu não sei voar.
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