desde que um arrepio

Data 04/10/2014 11:44:10 | Tópico: Crónicas

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para Frumi

perdoar como quem, a cara derretida pelo afecto de um estalo

- Beija-me neste lado.

como uma valsa, agora perto mas uma palavra mal proferida e agora longe, vai-te embora e se virar costas

- Como consegues ir embora?

perdoar é ir embora, agarrar e querer morder porque não há explicação para quem se quer ir embora, para os pássaros é fácil, com asas, nós anjos caídos em desgraça

- Por favor deixa-me comprar-te uma camisola nova.

quem cospe na cara com palavras falsas, porque o medo, não merece perdão, quem depois as engole assim como punhais que suavemente nos descem pela garganta, perdoar é engolir punhais de outrem, a luta inglória para cegarmos a vista às falhas daquela pessoa, tanta cegueira que depois caímos numa, não me perdoes que não sei se aguentarás, porque outra pessoa e era eu, outro toque e estava eu, outro perdão e fui eu e mesmo assim

- Pensas que vais ser um grande escritor não pensas.

e haja quem me perdoe

- Pois para mim serás sempre uma grande merda.

perdoar como pedir perdão, num banco qualquer e a chorar não porque ébrio, mas porque uma maneira de pensar redutora, e duas mãos nas costas, e os olhos sempre verdes, sem saber se com pena ou outra coisa superior, com vontade de perdoar e com medo de falhar

perdoar, é difícil, é respirar com dificuldade, ter uma cadeira e sentar-se no chão, perdoar nunca é esquecer, quem perdoa não esquece mas perdoa, perdoar é tirar o peso todo dos ombros de quem errou e bruscamente senti-lo sobre os nossos, perdoar é não dizer

- Tenho todo o teu peso sobre os meus ombros.

perdoar não é esquecer mas é perdoar, é não massacrar alguém para nos massacrarmos a nós, e esse, muito provavelmente, é o maior amor de todos

(quando o verbo amar se transforma num mero código)

- Eu perdoo-te.



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