
O sabiá e o Gavião
Data 20/05/2014 14:00:17 | Tópico: Poemas -> Reflexão
|  O Sabiá e o Gavião
(Cordel de Patativa do Assaré)
Eu nunca falei à toa. Sou um caboclo roceiro, Que sempre de coisa boa Eu tive um certo tempeiro. Não falo mal de ninguém, Mas vejo que o mundo tem Gente que não sabe amar, Não sabe fazer carinho, Não quer bem a passarinho, Não gosta dos animais.
Já eu sou bem diferente. A coisa melhor que eu acho É num dia muito quente Eu ir me sentar debaixo De um copado juazeiro, Pra escutar prazenteiro Os passarinhos a cantar, Pois aquela poesia Tem a mesma melodia De um anjo celestial.
Não há flauta nem pistom De banda rica e granfina Pra ser sonoroso e bom Como o galo de campina, Quando começa a cantar Com sua voz natural, Onde a inocência se encerra, Cantando na mesma hora Que aparece a linda aurora Beijando o rosto da terra.
O Sofreu e a Patativa Com o canário e o Campina Tem canto que me cativa, Tem música que me domina, E inda mais o sabiá, Que está primeiro lugar, É o chefe dos seresteiros, Pássaro nenhum lhe condena, Ele é dos músicos de pena O maior do mundo inteiro.
Eu escuto aquilo tudo, Com grande amor, com carinho, Mas, às vezes fico sisudo, Porque contra os passarinhos Tem o gavião maldito, Que, além de muito esquisito, Como igual eu nunca vi, Esse monstro miserável É o assassino das aves Que canta pra gente ouvir.
Muitas vezes voam em botes, Mais pior de que a serpente, Leva dos ninho os filhotes Tão lindo e tão inocentes. Eu comparo o gavião Com esse grande fanfarão, Do instinto cruel e feio, Que sem ligar gente pobre Quer fazer papel de nobre Chupando o suor alheio.
As Escritura não diz, Mas diz o coração meu: Deus, o maior dos juiz, No dia que resolveu A fazer o sabiá Do melhor material Que havia em riba do chão, O Diabo, muito enxerido, Lá num cantinho, escondido, Também fez o gavião.
De todos que se conhece Aquele é o pássaro mais ruim É tanto que, se eu pudesse, Já tinha lhe dado fim. Aquele bicho devia Viver preso, noite e dia, No mais escuro xadrez. Já que tô de mão na massa, Vou contar a grande arruaça Que um gavião já me fez.
Quando eu era pequenino, Saí um dia a vagar Pelos matos sem destino, Cheio de vida a escutar A mais sublime beleza Das músicas da natureza E bem no pé de um serrote Achei num pé de juá Um ninho de sabiá Com dois mimosos filhotes.
Eu senti grande alegria, Vendo os filhotes bonitos. Pra mim eles parecia Dois anjinho do Infinito. Eu falo sério, não minto. Achando que aqueles pinto Era santo, era divino, Fiz do juazeiro igreja E beijei, como quem beija Dois Santos bem pequeninos.
Eu fiquei tão prazenteiro Que me esqueci de almoçar, Passei quase o dia inteiro Naquele pé de juá. Pois quem ama os passarinhos, No dia que encontra um ninho, Somente nele imagina. Tão grande a demora foi, Que mamãe (Deus lhe perdoe) Foi comigo à disciplina.
Meia légua, mais ou menos, Se medisse, eu sei que dava, Dali, daquele terreno Pra palhoça onde eu morava. Porém, eu não tinha medo, Ia lá sempre em segredo, Sempre escondido, sozinho, Temendo que algum menino, Desses perverso e maligno Mexesse nos passarinhos.
Eu mesmo não sei dizer O quanto eu tava contente Não me cansava de ver Aqueles dois inocentes. Quanto mais dias passavam, Mais bonito eles ficavam, Bem maiores e mais sabidos, Pois não estavam mais pelados, Os seus corpinhos rosados Já estavam todos vesstidos.
Mas, tudo na vida passa. Amanheceu certo dia O mundo todo sem graça, Sem graça e sem poesia. Qualquer pessoa que visse E um momento refletisse Nessa sombra de tristeza, Dava pra ficar pensando Que alguém estava bolinando Nas coisas da Natureza.
Na copa dos arvoredo, Passarinho não cantava. Naquele dia, bem cedo, Somente a cauã mandava Sua cantiga medonha. A manhã tava tristonha Como casa de viúva, Sem prazer, sem alegria E de quando em vez, caía Um sereninho de chuva.
Eu olhava pensativo Para o lado do Nascente E não sei por qual motivo O sol nasceu diferente, Parece que arrependido, Detrás das nuvem, escondido. E como o cabra zarolho, Botava bem traiçoeiro, Por detrás dos nevoeiro, Só um pedaço do olho.
Uns nevoeiro cinzento Ia no espaço correndo. Tudo naquele momento Eu olhava e tava vendo, Sem alegria e sem jeito, Mas, porém, eu satisfeito, Sem com nada me importar, Saí correndo, aos pinotes, E fui reparar os filhotes No ninho do sabiá.
Cheguei com muito carinho, Mas, meu Deus! que grande agouro! Os dois velhos passarinhos Cantava num som de choro. Ouvindo aquele gorjeio, Logo no meu corpo veio Certo chamego de frio E subindo bem ligeiro Pr’as galha do juazeiro, Achei o ninho vazio.
Quase que eu dava um desmaio, Naquele pé de juá E lá da ponta de um galho, Os dois velhos sabiás Mostravam no triste canto Uma mistura de pranto, Num tom penoso e funéreo, Parecendo mãe e pai, Na hora que o filho vai Se enterrar no cemitério.
Assistindo àquela cena, Eu juro pelo Evangelho Como solucei com pena Dos dois passarinhos velhos E ajudando aquelas aves, Nesse ato desagradável, Chorei fora do comum: Tão grande desgosto tive, Que o meu coração sensível Aumentou seus baticum.
Os dois passarinhos amados Tiveram sorte infeliz, Pois o gavião malvado Chegou lá, fez o que quis. Os dois filhote tragou, O ninho desmantelou E lá pras banda do céu, Depois de devorar tudo, Soltava o seu grito agudo Aquele assassino cruel.
E eu com o maior respeito E com a suspiração perra, As mão posta sobre o peito E os dois joelhos na terra, Com uma dor que consome, Pedi logo em santo nome Do nosso Deus Verdadeiro, Que tudo ajuda e castiga: Espingarda te persiga, Gavião arruaceiro!
Sei que o povo da cidade Uma ideia inda não fez Do amor e da caridade De um coração camponês. Eu sinto um desgosto imenso Todo momento que penso No que fez o gavião. E em tudo o que mais me espanta É que era Semana Santa! Sexta-feira da Paixão!
Com triste recordação Fico pra morrer de pena, Pensando na ingratidão Naquela manhã serena Daquele dia azarado, Quando eu saí animado E andei bem meia légua Pra beijar meus passarinhos E encontrei vazio o ninho! Gavião fího da égua!
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