
NAMORO A CAVALO (ÁLVARES DE AZEVEDO) - O HUMOR NA "LIRA DOS VINTE ANOS"
Data 07/10/2013 21:58:13 | Tópico: Prosas Poéticas
| Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça Que rege minha vida malfadada Pôs lá no fim da rua do Catete A minha Dulcineia namorada.
Alugo (três mil réis) por uma tarde Um cavalo de trote (que esparrela!) Só para erguer meus olhos suspirando A minha namorada na janela...
Todo o meu ordenado vai-se em flores E em lindas folhas de papel bordado Onde eu escrevo trêmulo, amoroso, Algum verso bonito. . . mas furtado.
Morro pela menina, junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento. . . Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a comédia—em casamento.
Ontem tinha chovido. . . que desgraça! Eu ia a trote inglês ardendo em chama, Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama...
Eu não desanimei. Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Fui mesmo sujo ver a namorada. . .
Mas eis que no passar pelo sobrado Onde habita nas lojas minha bela Por ver-me tão lodoso ela irritada Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros Entre dentes tomou a bofetada, Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo Com pernas para o ar, sobre a calçada. ..
Dei ao diabo os namoros. Escovado Meu chapéu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa Rasgou-se no cair de meio a meio, O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio!
(Obras, 1853. Lira dos vinte anos, 2ª parte) __________________________________________________
É um namoro, isto é, a estória de um namoro!
O jovem enamorado “vive” mil peripécias.
Apesar de todos os “desconcertos” o jovem não diz se é correspondido.
São quarenta versos (cada uma das linhas gráficas) divididos em dez estrofes (conjunto de versos).
São decassílabos (dez sílabas poéticas). Vejamos a escansão (divisão em sílabas sonoras) da primeira estrofe: “Eu-mo-roem-Ca-tum-bi-mas-a-des-gra-/-ça Que-re-ge-mi-nha-vi-da-mal-fa-da-/-da Pôs-lá-no-fim-da- ru-a-do-Ca-te-/te A-mi-nha-Dul-ci-nei-a-na-mo-ra-/-da.”
O conjunto de rimas é o mesmo para todas as estrofes: o segundo verso rima com o quarto verso.
O jovem faz de tudo para ver a namorada: aluga um cavalo por três mil réis (Que fortuna!), gasta seu ordenado em flores, furta versos bonitos, sonha com o casamento, reclama que um dia fora ver a namorada e uma carroça jogara lama suas roupas bonitas, etc. Além do Quixote sonhador não ter sido recebido pela “bela”, o cavalo, “ignorante de namoros”, jogou nosso herói de pernas para o ar sobre a calçada que, raivoso “como um bode” e calças rasgadas “meio a meio” não conseguiu ver a namorada.
Nas profundezas textuais podemos observar que o poeta faz analogia com o Quixote de Cervantes, mas, ao que parece, não realiza seu ato de amar, e volta para casa sonhador.
Augusto de Sênior. (Amauri Carius Ferreira) (FERREIRA, A. C.)
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