
Saluba ou Dormir no colo de Nanã
Data 26/07/2013 18:18:30 | Tópico: Poemas
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Nana nenê, cordeirinho de Nanã. Santa Ana, a Santa de Santana chora sangue e barro. O rosário quebrou.
Do pó viestes, em vestes sujas de lama. Lama é água e pó, terra eterna úmida a ponto do entremeio sólido-líquido.
É um solilóquio aquoso, essa cantiga de ninar. Vibro as cordas vocais e sinto eco nos pulmões, vou escalando linhas e espaços de um pentagrama púrpura na clave de um sol.
A canção é para ninar-me. A canção é um carinho íntimo, afago da vibração do som.
Fui chamado de cordeiro, mas não sou cordeiro não.
Se adormeço, por acaso, inevitavelmente o canto pára e caio de paraquedas no instante-além, onde a canção me deixou.
Vejo tudo com movimentos rápidos dos olhos. É púrpura.
Minha sabiá é roxa.
O turbante da negra manuseando a argila é roxo.
A negra é velha, é minha mãe, minha avó. Mãe e avó do Cristo também.
A negra faz com argila corpos de cristos, imagem e semelhança de mim.
A negra velha sabe o que faz.
Esculpe meu corpo, em barro, pó lacrimal. Dá-me forma, em posição fetal.
Quando adormeço, embalado de sono, cansaço e esperança, a artesã vem retocar minhas imperfeições.
Ondas alfa, ondas beta, ondas lama, maremotos de sonos intranquilos. É ela quem me salva do pesadelo.
É ela quem me salva do peso nas costas, me faz pó úmido humildemente sábio, terra eterna imperfeita.
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