
Sobre a poesia (Juan Gelman)
Data 30/05/2013 12:41:06 | Tópico: Poemas -> Introspecção
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haveria um par de coisas por dizer que não é muito lida por ninguém que esses ninguém são poucos que estão todos preocupados com a crise mundial e
com o assunto de comer a cada dia trata-se de um assunto importante eu me lembro quando tio João morreu de fome dizia que nem se lembrava de comer e que pra ele não tinha problema
problema veio foi depois não havia dinheiro para comprar caixão e quando finalmente o caminhão municipal passou para levá-lo tio João parecia um passarinho
o pessoal do caminhão olhou para ele com desprezo e com desdém murmuravam que eram sempre molestados que sendo gente eles enterravam gente e não passarinhos como tio joão/ especialmente
porque o tio foi cantando piu piu a viagem inteira até o crematório municipal e sentiram-se desrespeitados e estavam muito ofendidos e quando davam-lhe um tapinha pra calar a boca o piu piu voava pela cabine do caminhão e eles sentiam que ouviam um piu piu na cabeça tio
João era assim adorava cantar e não via por quê não cantar depois de morto/ foi para o forno cantando piu piu as cinzas saíram e ainda deram uns pios os companheiros do municipal se entreolharam com os sapatos cinzentos de vergonha bem mas
voltando à poesia os poetas passam muita dificuldade não são muito lidos por ninguém esses ninguém são poucos o ofício perdeu o prestígio para o poeta está cada dia mais difícil
conquistar uma linda namorada ser candidato a presidente ser patrocinado por um mecena que um guerreiro faça façanhas para serem cantadas que um rei lhe pague cada verso com três moedas de ouro
e não se sabe se é porque acabaram as namoradas, os mecenas, os guerreiros os reis ou simplesmente os poetas, ou foram as duas coisas e é inútil esquentar a cabeça com uma coisa dessas
bonito é saber que a gente pode cantar piu piu nas horas mais estranhas tio João depois de morto eu agora para que me queiras * Juan Gelman (1930), jornalista argentino. Trabalhou em diversas profissões em seu país. Entre elas caminhoneiro e redator de Crisis (Buenos Aires). Participou ativamente da esquerda argentina nos anos 60-70. Devido à pressão da ditadura militar, acabou exilando-se na Europa de maneira turbulenta regressando a seu país somente em 1988. Poema traduzido por Léo Gonçalves.
Sua obra é marcada pelo cotidiano, um humor profundamente contraditório, entre lágrimas e gargalhadas, além de um constante compromisso com a revolução e com a denúncia. Obra Poética: Violín y otras cuestiones(1956), El juego en que andamos(1959), Velorio del solo(1961),Gotán(1962), Los poemas de Sidney West(1969), Cólera buey(1965 y 1969), Fábulas(1970), Relaciones(1973), Hechos y relaciones(1980), Si tan dulcemente(1980), Citas y comentarios(1982), Hacia el sur(1982), Anuncianciones(1988), Carta a mi madre(1989).
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