
Talvez
Data 19/09/2012 19:15:59 | Tópico: Poemas
| Perdido na maré vaza Que me afoga nesta loucura Procurei em teus olhos um farol Na longa espera da minha maré viva Que tarda em vir. Na certeza que a Arca de Noé Não é para nós os afogados, Grito que reprimo Dentro desta garganta seca e amotinada, Que haverá de propagar toda a vulcânica raiva Em lamacenta e escaldante lava, Que ao arrefecer, Ao arrefecer lentamente, Irá despertar todos os monstros, Mitos, credos e sereias.
Talvez, a noite esteja fria E aquele errante par de namorados Aqueça estonteante a madrugada do meu sonho. Talvez, o comboio apite na estação E desesperadamente o sinta partir Fora do alcance da minha fuga. Talvez, o desejo de em teu cálido rosto Pousar o meu olhar de corvo triste Seja a simples ambição De conquistar o impossível.
Olha bem nos meus olhos, Vê neles as fogueiras dos ciganos, Escorraçados e perseguidos, Banquete de algozes impotentes. Nesta voz que vacila, Nesta escrita sensual Que arranha com prazer A candura desta folha de papel, Na timidez das minhas mãos, Na dissimulação desta ofegante respiração, Há uma raiva de dor, Partilhada por todos os encurvados Que ousam olhar o sol de frente.
Agora, as páginas dos livros Que escrevi e amontoei Nas areias desta praia, Vão esvoaçar e bailar Ao som de uma melodia Tangida em cristalinas harpas Pelos braços cintilantes das estrelas, Enquanto pássaros de fogo Vão gorjear as odes à tua beleza Que escrevi estonteante, Nas paredes da cidade. Então ficarás imóvel, Esquecida de ti, Esquecida de mim. Das nossas ausências despontam orquídeas Na cornucópia do tempo.
Em pequenos tragos Esqueço a volúpia do teu sorriso. Através deste copo de cristal Que nas mãos trémulas aqueço Enxergo a penumbra do teu corpo Através de um véu de pérolas de orvalho. O veludo da tua ninfa Abalroa a frigidez da minha virgindade, Eu, augusto senhor do meu nariz Desfaleço de tão inglória luta Sobre o perfume do teu âmago. Mas, quando do epicentro do teu sonho Acordares, Saberás que o cometa que eu sou Já no firmamento me apaguei Sem que o teu Sol incendiasse A minha cabeleira, despenteada, De marinheiro solitário. Não me dês depois de morto O que em vida não me quiseste dar.
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