
A história da vovó e a poesia do netinho
Data 18/08/2012 14:06:46 | Tópico: Textos -> Amor
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A história da vovó e a poesia do netinho
Num toque sutil feminino a poesia caminha nas palavras como uma menina que conversa com as flores, canta como os pássaros e se camufla semelhante aos insetos. Seus sentimentos são mais profundos, já que é capaz de fazer rir ou chorar em um mesmo encanto e quando essa magia é transmitida para muito além dos olhos, nas palavras a menina poesia brilha.
Feito uma menina trançada em palavras, a linda poesia voltava de seu longo passeio matutino misturando-se à beleza colorida da natureza. Interessante como mesmo a poesia é seduzida e levada a escolher um novo caminho, talvez seja a sede de sentir algo novo, o prazer do diferente no olhar, tocar, sentir ou saborear.
Um corte de caminho por aqui, outro por ali e ela percebe que as ruas vão se tornando cada vez mais desconhecidas, seus pensamentos também vão ficando cada vez mais confusos e aquela sensação de perigo traz arrepio, calafrio e medo tirando o sossego. A sombra das árvores dando espaço a pequenos focos de raios solares iluminam a trilha em que formam a rima da valentia feminina da linda poesia.
O caminho improvisado trouxe um novo tom poético, no qual em ângulos diferentes a poesia chegava a cantar ouvindo sua voz ser sufocada e desaparecer entre as árvores. Mais um passo e ela ouvia sua mensagem vencer a dureza das pedras ecoando com o som da atenção.
A mensagem ecoava das rochas, das montanhas e dos bosques, mas havia um eco muito mais forte. Era o eco de um coração de criança ansiosa pela sua presença, esse ecoar soava tão forte que somente os sentimentos da poesia poderiam consolar.
Eco profundo que trouxe uma nova mensagem e penetrou no coração da pequena poesia com um amor que ela jamais havia sentido, com um jeito incontrolável tão diferente, que conseguiu aguçar sua curiosidade e a forma dela pensar.
Fascinada pela bela vista do lugar a menina poesia caminhava cautelosa e devagar, cada passo soava como uma palavra rimada trazendo mais forte o som do coração e logo uma pequena casa iluminada pelo amor surgiu em meio aos arbustos atraindo sua atenção.
Aquela surpresa deixou a poesia de olhos arregalados e a boca aberta, tanto que parecia ter perdido os sentidos, suas palavras já não encontravam a forma ideal e a atração sugava todo o seu conteúdo.
A poesia se aproximou de um cercado de dúvidas e ultrapassou um portão que estava entreaberto até chegar a uma pequena janela, de onde avistava e escutava a voz de uma criança encantada com o brilho da vovó.
Aquele jeito de olhar curioso da criança enfeitiçada pela magia das histórias da vovó atravessava as barreiras da imaginação de tal forma, que a própria poesia também se julgou capaz de contar sua história, talvez não seja do mesmo jeito, nem da mesma forma, mesmo porque seria uma história com poesia. Muito interessada com o que acontecia lá dentro, com muita cautela, ela encostou os olhos na vidraça e passou a ouvir com uma atenção impressionante:
- Conta mais uma história vovó!
E a voz paciente de uma senhora respondeu:
- Conto! Mas dessa vez você não vai me enrolar. Sempre termina contando as suas histórias ou mudando as minhas. Você é um menino traquina!
Ouvindo isso a poesia sorriu e pensou:
“É um menino!”
Enquanto a poesia pensava ouviu a vovó chamar:
- Então vem Zezinho! Sente aqui pertinho de mim.
Com os olhos arregalados, a poesia parecia se aproximar da vovó, que estava sentada em uma cadeira de balanço e do menino que estava radiante e feliz sentado no chão esperando ouvir mais uma história da vovó.
A história contada com serenidade e sabedoria trazia uma riqueza de detalhes de um tempo muito distante, de quando a vovó ainda era uma pequena menininha, mais ou menos na mesma idade que o Zezinho tem hoje. O conto trazia um segredo da vovó que fez o menino arregalar os pequenos olhinhos castanhos e curiosos.
Ela contava a história e o menino não conseguia esconder a inquietação querendo falar, mas a vovó impedia dizendo: Você prometeu que não iria interromper!
O desenrolar do conto chegou a um ponto em que a vovó fala de um amor de criança. Um daqueles amores que o tempo nos toma e leva embora quando nos tira a infância.
Chegou um momento em que o menino começou a falar com tanta empolgação que a vovó evitou interromper, já que o prazer de ouvi-lo era uma satisfação para ela.
A vovó ficava impressionada com a habilidade do netinho narrando fatos tão distantes para ele, tal era seu ímpeto no conto, que ela via a poesia brilhar em encantos no seu olhar, numa forma traiçoeira para o tempo, que parecia estar sendo enganado. Assim o pequeno menino atravessava as barreiras da idade e infiltrava nos pensamentos nostálgicos da vovó de tal forma que passava a fazer parte da infância distante dela.
O menino navegava na perfeição de detalhes jamais vistos por ele e como um sonhador mergulhado no sonho era sugado por um emaranhado de aventuras, nas quais sua avó se transformara em uma amiga fiel.
O menino olhou para um grande espelho e a poesia finalmente percebeu que a vidraça pela qual assistia toda aquela cena era os olhos do menino e que fazia parte de toda a criação, imaginação, fantasia, harmonia, magia e poesia que o menino transmitia.
Ouvindo com atenção, a velha senhora pegou o netinho no colo e num carinho especial com amor de vovó abraçou o menino balançando lentamente na cadeira de balanço. Envolvida pela poesia profunda algumas vezes ria e outras vezes chegava a chorar, já que ambos foram sugados pela areia movediça do tempo.
No olhar da vovó estava a história de uma vida transformada em experiência, enquanto no olhar do netinho estava estampada a poesia num tom colorido profundo cheio de vida e sonhos.
O netinho pensativo e feliz realizado de prazer apoiou o queixo com a mão e se entregou ao calor afetuoso da vovó apoiando a cabeça em seus seios e se encolhendo como se estivesse procurando o calor do ninho. Quietinho e pensativo ele escutava a vovó falando num tom quase silencioso:
Sua poesia é tão linda meu netinho! Cuida bem dela e nunca a deixe ir embora, pois nela esta nossos sonhos, nossos momentos felizes e até nossos segredos. Podemos dizer que ela é o tempero ideal para viver gostoso.
Quase dormindo o menino olhava para a vovó, seus olhos estavam quase fechados, quando a poesia de dentro dos seus pequenos e sonolentos olhinhos ainda avistou a vovó sorrindo e dizendo:
- Poesia! Nunca abandone o meu netinho. Ele diz que você mora nos sonhos dele e brilha de felicidade com a sua presença.
O netinho dormiu e a poesia não viu mais nada, apenas se lembra de que as paredes eram brancas e as portas azuis.
Paulo Ribeiro de Alvarenga Criador de vaga-lumes e Isa
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