
A bomba suja (Ferreira Gullar)
Data 13/07/2012 02:37:21 | Tópico: Poemas -> Intervenção
| Introduzo na poesia A palavra diarréia. Não pela palavra fria Mas pelo que ela semeia.
Quem fala em flor não diz tudo. Quem me fala em dor diz demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais.
No dicionário a palavra é mera idéia abstrata. Mais que palavra, diarréia é arma que fere e mata.
Que mata mais do que faca, mais que bala de fuzil, homem, mulher e criança no interior do Brasil.
Por exemplo, a diarréia, no Rio Grande do Norte, de cem crianças que nascem, setenta e seis leva á morte. É como uma bomba D que explode dentro do homem quando se dispara, lenta, a espoleta da fome.
É uma bomba-relógio (o relógio é o coração) que enquanto o homem trabalha vai preparando a explosão.
Bomba colocada nele muito antes dele nascer; que quando a vida desperta nele, começa a bater.
Bomba colocada nele Pelos séculos de fome e que explode em diarréia no corpo de quem não come.
Não é uma bomba limpa: é uma bomba suja e mansa que elimina sem barulho vários milhões de crianças.
Sobretudo no nordeste mas não apenas ali que a fome do Piauí se espalha de leste a oeste.
Cabe agora perguntar quem é que faz essa fome, quem foi que ligou a bomba ao coração desse homem.
Quem é que rouba a esse homem o cereal que ele planta, quem come o arroz que ele colhe se ele o colhe e não janta.
Quem faz café virar dólar e faz arroz virar fome é o mesmo que põe a bomba suja no corpo do homem.
Mas precisamos agora desarmar com nossas mãos a espoleta da fome que mata nossos irmãos.
Mas precisamos agora deter o sabotador que instala a bomba da fome dentro do trabalhador.
E sobretudo é preciso trabalhar com segurança pra dentro de cada homem trocar a arma de fome pela arma da esperança.
Ferreira Gullar, poeta brasileiro.
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