
O menino desaparecido (Cassiano Ricardo)
Data 11/04/2012 10:24:00 | Tópico: Poemas -> Tristeza
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1. Passou a chuva. O céu gorjeia. Meio sol, já perpendicular. Mas a água ainda é um rio. . . Ainda está de boca cheia.
Como saber onde o menino está, sob um céu repentino?
Chegam máquinas dentadas, perfuratrizes, estridentes, pra furar o chão de concreto, espirrando erros e "rr" de terra pelo vão dos dentes. Mas o menino já é, apenas, um objeto secreto.
Como, em meio ao desatino, saber onde está o menino?
A mãe do menino quer, já, entrar pelo cano do esgoto. Como uma mulher marinha. Como uma ave lacustre e ruiva (ou subterrânea) irá, tocada de celeste insânia, saber onde o menino está.
Agarram-na os outros meninos da rua, como anjos sujos, que saíssem de alguma fossa de um subúrbio de Betânia e se agarrassem a uma Nossa(Senhora) também suja, como fulvos caramujos. (Nossa Senhora de mão grossa.)
E o menino, onde estará?
Ah, o menino está bem longe com os seus barcos de papel. Já vai seguido pelos peixes, famintos, que os há prateados, cor-de-rosa, cor de fel, não importa qual seja a cor, na derrota por onde, agora, com os seus barcos de papel, pequeno capitão, ele for.
Até d e s a p a r e c e r, por fim — quem o saberá? — num verde cego, universal. No verde universo do sal.
Desaparecer na mesma água em que um dia foi batizado (pois a água do batismo não é a mesma do abismo?).
2.
Minha mãe, que era capaz, como essa mulher subterrânea, de morrer, por teu menino, eu bem sei em que terra estás. Mas tu, ó teu menino que fui, onde estarás?
Cassiano Ricardo, poeta.
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