
Em lugar de uma carta (Vladimir Maiakovski)
Data 30/03/2012 03:01:12 | Tópico: Poemas -> Amor
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Fumo de tabaco rói o ar. O quarto – um capítulo do inferno de Krutchônikh (1). Recorda – atrás desta janela pela primeira vez apertei tuas mãos, atônito.
Hoje te sentas, no coração – aço. Um dia mais e me expulsarás, talvez, com zanga.
No teu hall escuro longamente o braço, trêmulo, se recusa a entrar na manga. Sairei correndo, lançarei meu corpo à rua. Transtornado, tornado louco pelo desespero.
Não o consintas, meu amor, meu bem, digamos até logo agora.
De qualquer forma o meu amor – duro fardo por certo – pesará sobre ti onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida num último grito estronde. Quando um boi está morto de trabalho ele se vai e se deita na água fria.
Afora o teu amor para mim não há mar, e a dor do teu amor nem a lágrima alivia. Quando o elefante cansado quer repouso ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor para mim não há sol, e eu não sei onde estás e com quem.
Se ela assim torturasse um poeta, ele trocaria sua amada por dinheiro e glória, mas a mim nenhum som me importa afora o som do teu nome que eu adoro. E não me lançarei no abismo, e não beberei veneno, e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora o teu olhar nenhuma lâmina me atrai com seu brilho. Amanhã esquecerás que eu te pus num pedestal, que incendiei de amor uma alma livre, e os dias vãos – rodopiante carnaval – dispersarão as folhas dos meus livros...
Acaso as folhas secas destes versos far-te-ão parar, respiração opressa? Deixa-me ao menos arrelvar numa última carícia teu passo que se apressa.
Vladimir Maiakovski, poema traduzido por Augusto de Campos (1) Referência ao poema "Um Jogo no Inferno”, de A. Krutchônikh e V. Khliébnikov, 1926. Petrogrado
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