
A FALTA QUE MATA
Data 26/03/2012 23:01:21 | Tópico: Poemas
| A FALTA QUE MATA
A falta me obriga ao caminho inverso Penetro mais e mais em mim à procura de ti Como se fora tu parte inescusável, órgão, nervo vago Que manda o afogado aspirar o que finda. À medida em que descubro o universo Que o amor construiu dentro de mim A ebulição desordenada dos hormônios Que detestam as ausências que os desequilibram; As sentenças de morte que o cérebro acha perceber Respondendo com perigo para o corpo que já cede Às tantas investidas, adoentando-se tristeza, Vou entendendo que o amor não vive da presença Mas da certeza de que não estarás ausente.
O amor é viciante. A síndrome de abstinência Revela-se na insônia pela tua falta, Nessa morte que não mata, mas que ameaça E suspende qualquer expectativa de vida. Sinto no corpo, já involuntário, um pedido: A certeza do afago, clemência de um sorriso Que afaste a duvida de estar, ou não, vivo.
A falta é mensagem de morte que o sentimento envia Enganando o organismo que se surpreende: Células enlouquecem, neurônios se perdem Radicais livres oxidam núcleos inocentes.
O corredor da casa se alonga ao infinito Que eu, prostrado, não consigo atravessar Para socorrer-me nas lembranças que aliviam Todos os sintomas de morte urgente Que a tua falta constrói meticulosamente: Cartas, fotos, cheiros que medicam.
O amor é droga que estabiliza as energias Normaliza as sinapses que acalmam Todo o organismo que depende da tua presença.
A falta enlouquece meioses e mitoses Que multiplicam células anômalas Desesperadas que inventam doenças Que os médicos investigam, classificam; eu entendo os males como fruto da ausência. Os diagnósticos, após anamneses, exames, negativam Recebo sem temor guias azuis para medicamentos Que, asseguram, me aliviarão os sofrimentos
As farmácias não vendem teu cheiro em essência A serotonina dos teus braços me cercando de felicidade
Carrego para casa os placebos aviados pela ciência Consciente de que minhas dores se chamam ausência O sofrimento que aos poucos impede de viver Prova que o amor que ama é o que faz sofrer Vírus, achega-se ao outro, engana linfócitos T Reproduz-se aceleradamente em cada núcleo Espalha-se pelo corpo enganando a razão: O amor, contrariando poetas, não vem do coração. Entrou de ti em mim, poros, tato, visão Enganou os sentidos, envenenou as certezas Multiplicou-se tanto que existes mais em mim Do que poderia supor. Ou permitir. Pula dos poros para as veias invade o corpo que incendeia exigindo doses maciças que aliviem uma vida inteira sem existir.
Sentado neste escuro, olhando a cidade Vou entendendo, resignadamente, que me viciei em ti, esqueci de mim que sou capaz de qualquer loucura para me drogar novamente com teus sorriso, teus carinhos o que o corpo chama de felicidade
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