
Ode a um pardal travestido
Data 13/02/2012 18:27:28 | Tópico: Poemas -> Surrealistas
| " ... mas o pardal, agora travestido em rouxinol, num voo rápido e seguro, veio de cima do muro ..." ..........................................
Canto inicial
Mais uma vez, o filamento de areia azul, parou de cair na ampulheta. Seis minutos se passaram... Os pinheiros do vidro verde, recendiam como água de colônia, e lá fora, um pardal, um pardalzinho à toa, tomou um banho de tinta amarela, e veio sob a minha janela, fingir que era um canário cantor.
Ouvi os sinos, procurei o campanário, mas não achei. Os sinos tocam, e os sons não veem da torre, vem do interior de um coração...
Dois veleiros ancorados no oceano verde, deixaram sair seus escaleres, que alcançaram a terra, com parte da tripulação, procurando uma coisa qualquer. E as orquídeas no estaleiro, ainda não floresceram. Há mais de um ano que eu espero ver uma orquídea abrir-se no estaleiro do quintal.
Um cachimbo velho e já quebrado, descansa no cinzeiro verde. Tem no seu bojo tabaco já queimado, e descansa solenemente, entre tocos brancos de cigarros, entre palitos queimados e papéis de bala. Enquanto isso, na estante, o cachimbo novo, mais aristocrático, e também mais caro, espera para tomar um banho de conhaque.
Uma caneta sem tinta e um par de meias, entre duas caixas de fósforos, fazem companhia a um pente meio banguela, que perdeu a metade dos dentes, na sua faina diária e incansável, de alisar cabelos desalinhados. Meia vela branca de estearina, com um pavio comprido, arde no castiçal de latão. A pequena chama alaranjada, tenta iluminar o ambiente, quer afugentar a escuridão mas só consegue criar uma pequena aura de luz, sobre os pinheiros verdes e sobre os barcos amarelos no oceano agora azul.
Canto II.
Uma volta inteira no tempo e mais uma vez a areia azul começa a cair, num filete, para marcar mais seis minutos e quinze segundos inexatos. Mais um toco de cigarro, descansa agora no cinzeiro, cemitério dos restos do vício que vai apodrecendo os pulmões. O filete da areia azul, já atingiu metade do vidro. Mais três minutos perdidos, três minutos que se passaram e não voltarão jamais.
Existe sol lá fora, já é dia, mas a luz não consegue passar pela veneziana. O pardal ainda canta alegre pensando agora ser rouxinol! Com tinta aquarela pinta o corpo e toma lições de música com o casal de periquitos que mora na gaiola dourada feita com latas de óleo de milho. Pela fresta da janela eu vejo os vasos de orquídeas, que não tem flores e nem botões. Este ano ainda espero uma orquídea florescer. Quatro moedas correntes de aço inoxidável, empilhadas sobre a mesa, agora caíram e se agruparam duas a duas, e contrariando a probabilidade, somam três caras e uma coroa. A mulher que e tem estrela na testa e usa um barrete frígio, parece que sorri para mim. Olho para seu rosto sereno e imagino-a de cabelos loiros, e doces olhos azuis. No reverso da medalha, uma torre de petróleo olha para o dois descomunal que se junta com o zero à direita para formarem o numero vinte.
Canto III
Mais uma volta na ampulheta, e a areia azul agora, começa a cair outra vez marcando os primeiros segundos dos próximos seis minutos. Chegou o jornal do dia, e eu já sei que ontem, foi aniversario de um jogador de futebol, morreu um paciente operado de amidalite e o consumo da energia elétrica aumentou em quase dez por cento quase no final do horário de verão.
A borboleta azul tem nas asas círculos amarelos, ladeados por elipses verdes. Ela pousou num girassol e fez de conta que era um colibri. Mas o pardal, agora travestido em rouxinol, num voo rápido e seguro, veio de cima do muro e fez de conta que a borboleta azul era um filé mal passado e tomou sua refeição sobre o girassol amarelo que serviu de guardanapo.
Canto final
Agora o último grão de areia caiu e a vela se apagou. A chave está à minha frente:; é a chave que abre a porta do quartinho de bagulhos do fundo do quintal. Tomo a chave e faço dela aquela que abre todas as portas.
Abro a porta dos sonhos e durmo sonhando com a areia azul que a cada volta conta seis minutos desta minha vida sem razão.
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