
Oração
Data 27/01/2012 10:28:51 | Tópico: Poemas
| Senhor, Vem ter comigo No silêncio da sala vazia De carteiras mudas que os dedos trigueiros dos meninos Inconscientemente Polvilharam de tinta…
Não olhes as manchas azuis, Senhor! Tu SABES Que os dedos criminosos Já foram castigados E a tinta foi raspada do chão… Mas, Senhor, Dentro de mim Ficou a ressoar O choro convulso e magoado Dum que talvez merecesse o meu perdão E o não teve… Vem ter comigo, Depois de um dia que podia ser cheio E foi talvez vazio E triste E apagado E tão insatisfeito como eu… ( - Ai esta fome de perfurar o Céu!...-) Não apenas Porque, pedagogicamente, Não se deve bater, Mas, sim, Porque não há nada tão inconsciente Como uns dedos inquietos de menino Metidos num tinteiro…
Vem ter comigo, No silêncio da sala vazia, Agora, Que eles foram a cantar caminho fora E me deixaram só Com a lembrança do choro magoado A conversar Contigo meia hora!...
Amanhã, Senhor, Não FIQUES PREGADO a tarde inteira. VEM. E toma o teu lugar… Quando em coro rezarmos, E tudo for unção, Dá-me a força enorme e luminosa De começar o meu trabalho De olhos a sorrir, Apesar das manchas azuis A sombrear o chão… Apesar dos fatos rotos ( - Rotos e mal cheirosos…) Que a chuva lava E o sol enxuga levemente… De olhos a sorrir, Apesar de tantas faces magras E olhos transparentes A perguntar os «quês» De coisas sem sentido… E às vezes, Senhor, Às vezes, Apesar de repetir Que as mãos dos meninos são de neve E vê-las junto de mim Vestidinhas de negro…
Vem ter comigo, Senhor! Mas, VEM, Principalmente, Quando a Ana ciciar a lição
Naquela voz pausada De quem sabe e não se quer ralar… Vem, Senhor! Mas, VEM, Principalmente, Quando a paciência disser «sim» ao cansaço E eu erguer o braço E me esquecer Que TU ESTÁS aí, Silenciosamente, A VER…
Vem Quando eu explicar as tais frações E as outras lições Que fazem bocejar… Vem ter comigo, Senhor, No silencio da sala vazia, Agora, que eles foram a cantar caminho fora E ENSINA-ME
Nesta quietude das carteiras mortas Que as almas são mais, Muito mais importantes Que os ditados sujos Que as contas erradas Que os olhos parados Que os fatinhos rotos (- Rotos e mal cheirosos!- ) Que as mãozitas negras Que as manchas de tinta já raspadas…
Vem ter comigo No silêncio da sala vazia De carteiras mudas E que eu decore, Não como a Rosa decora a tabuada, ( - Ela apenas consegue decorar!- ) A frase escrita a verde
Nas folhas brancas do meu quotidiano: - É preciso saber PERSEVERAR!!!...
Maria Helena Amaro In, «Maria Mãe», 1973
http://mariahelenaamaro.blogspot.com/2012/01/oracao.html
|
|