
INSÓNIA RENDILHADA MAS, FRUTUOSA
Data 06/01/2012 20:02:51 | Tópico: Poemas -> Fantasia
| Insónia rendilhada mas, frutuosa
Tinha acabado de me deitar E para espanto meu Não conseguindo pegar no sono Um grande estendal na minha mente apareceu
Mas que grande turbilhão Toquei numa das peças, puxei e, o que é que encontrei? Letras, palavras, sílabas, verbos, versos, nomes Logo quis encetar um exercício mas, parei!
No remoínho das imagens projectadas Tentado a pegar numa das pontas Avançava, recuava, outras imagens surgiam Vencido, confuso, fazia as minhas contas
Uma vez, outra vez, os cenários repetiam-se Voltava atrás, reconstruía as imagens Comparava com outras já antes vistas Insistia na sua percepção e não terminavam as viagens
Até que decidi pôr fim a este labirinto Mas, fazê-lo, foi tarefa não muito convencional Concentrei-me noutros pontos do meu ser Consegui, desloquei energias e apliquei-lhe um golpe fatal
Pois, já reconfortado, contando com o voltar do sono Não é que, novamente, regressa o estendal Que faço, penso eu, para armadilhar esta ratoeira Assim, seguramente, vou dormir muito mal
Sem meios para ordenar, acedi então entrar no jogo Espera lá, disse-me uma voz lá de muito longe Tu não és homem para que te arrastem ou influenciem Toma as rédeas, não te conformes como um monge
Aí, entendi que o meu terreno era a luta Esbocei um plano para arrumar com o painel Calculei, coloquei arrumadinhas as peças no tabuleiro Começou a ficar tudo direitinho mas, fartei-me e pus tudo a granel
Entretanto, adormeci e foram-se as figuras Não medi o tempo do apagão Quando desperto fiquei de novo Senti outro grande estremeção
Recusei experimentar um cenário diferente Não havendo forma do sono almejar Então, mais valia projectar o já visto Levantei-me, as formas do meu sonho vou relatar
Era uma cidade construída só para as palavras Ali, tudo se dizia e em grandes obras se reproduzia Havia de tudo, de figuras enormes até aos disformes Vou já avançar e descrever com alguma ironia
Para os maiores, os enormes que impressionam Estava reservada a Alameda dos Eternos Pensadores Com grandes colunas, muitos arcos e palmeiras Podiam ver-se as obras de grandes poetas e prosadores
Num só olhar podiam ver-se tantos que são nossos Como Camões,Pessoa,Ary,Saramago,O’Neill,Gedeão, Mello Breyner,Cunhal,Namora,Redol,Camilo,Almada, Florbela,Régio,Alegre,Aleixo,Natália,Bocage,Torga,Cortesão
Prosseguindo a caminhada, outra sinalética Estávamos na Praça dos Novos Escritores E lá se viam tantos, muitos ainda desconhecidos Mas, com afirmação e obra, muito prometedores
Voltando para a esquerda, numa nova placa, lia-se Travessa dos Alfarrabistas, com obras para coleccionadores Muitas peças de museu e algumas oportunidades Também obras ao metro, para expositores
Uma chamada de atenção aconselhava voltar à direita Só porque, em frente, estava a Rua dos Pecados Lá, entregues ao acaso, para quem quisesse ver Havia um pouco de tudo, bêbedos e outros marados
Pois claro, seguindo para a direita, era o quê? A grande Rua dos Fadistas e Guitarristas Logo aparecia a Amália, Marceneiro, Paredes, E um grande número dos nossos bairristas
Sem canseiras porque há que ver tudo Seguindo a direito, aparece o Beco dos Namorados Muitas lembranças, algumas bem ousadas E claro, uns tantos grupinhos bem apaixonados
Mais à frente outra grande surpresa O Solar das Tertúlias com eunucos ordeiros Aí se encontravam figuras polémicas Vejam lá, só para recordar, uma delas era o Medeiros
Havia um moderador, a conversa era o Jardim, Com tantos interlocutores, daqueles que falam sem fim Na assistência, eis que surgiu um grande cromo À laia do não concordo, cantarolava o bailinho e o alecrim
De imediato, viram-se todos os olhares para o estranho ali presente O homem do micro faz o gesto para o chamar, era acontecimento Quem disto não gostou foi um dos oradores que, acto contínuo Ripostou, dizendo: retiro-me, não aceito interrupções, foi o momento!
Depois, para completar a sequência Surge a Ruela das Frases Que Ficaram Então lá aparecem faixas, umas quantas, algo compridas Bem seguras e com flores, algumas que já mirraram
Olhe que não Sr. Doutor, olhe que não! Soares é fixe! É só fumaça, é só fumaça! O povo não tem medo, Pinheiro de Azevedo! Eu nunca me engano e raramente tenho dúvidas! Um milhão centi…um bilião quinh…um trilião…ih,nh,nh…! É como bater num bebé que está na incubadora… Ora, meus senhores, há mais vida para além do deficit! Sim é verdade, ofereceu-me uma caixa de robalos… A dívida soberana não é para ser paga!
Ah, também lá se encontrava uma foto antiga Em primeiro plano o Almirante sem medo Na sua sombra o Soares fazendo extensões labiais Há quem diga que conferia o discurso do Azevedo
Descendo umas escadinhas ladeadas de paredes sombrias Deparo-me com estranhos objectos Daqueles que valem para malabarismos virtuais Eram tantos e tão diversos, até havia horrendos dejectos
Do Benfica é que, nada se avistou, nem um standezinho Nem a última edição de preservativos apareceu Desta vez foi total a desgraça Para os aficcionados, nem Jesus surpreendeu
E agora, por esta é que não esperava Sem me aperceber, encontrava-me entre sobreiros Olhei em redor procurando uma placa e, lá estava, Rua projectada à Azinhaga dos Engenheiros
Qual era o acontecimento aqui Não, não eram os verdadeiros Eram sim mas, os dos engenhos Aqueles que comem e inventam vespeiros
Para compôr o ramalhete, não podia deixar de ser Bem encapotado, surge um compadre muito atarracado Confiou-nos as suas bizarras tramóias E de como, com humor se despede o aperaltado
Confessou que em toda a sua vida, apenas um o enganou Veja-se lá de onde viera, de Lisboa? Não, da Beira-Serra! Era um fidalgotezito que se julgava grande esperto Que chegado à ribalta, o diploma arrancou no meio de muita berra
Já quase na saída, lá bem num cantinho O que vou encontrar, o outro lado da cultura A conhecida barraquinha do Mata-a-fome Bem abastecida sim senhor, grande moldura
Ele, eram torresmos, couratos e bifanas Ginginha, branco e tinto à discrição Algumas bolas de Berlim e farturas E mesmo pão com chouriço e com este no pão
Sem cerimónias, com o percurso completo Resta-me aconchegar a pança afinando o palato para engolir Saia uma bifana das grandes e um penalti de tinto É pra já, diz o Mata-a-fome, se não chegar, é só pedir!
15/12/2011 Roque Soares
|
|