
A letra e o tempo (Affonso Romano de Sant'Anna
Data 17/09/2011 11:43:44 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| A letra e o tempo
ou Um poema dito espontâneo Como muita gente não tem Mais coragem de escrever
Daqui a um cem número de anos ( prevêem os cientistas) a Terra estará coberta de gelo, convertida em desolada [Antártica. Ainda não se sabe se o frio virá aos poucos, definhando [recolhendo e espiando os homens em suas tocas ou se súbito congelará a bicicleta e o menino o engenheiro em seus esquadros o guarda em suas esquinas e todas as letras e livros e estantes acumuladas desde a [idade dos sumérios.
Todas as palavras hirtas As tábuas da lei, O Livro dos Mortos, O Alcorão, O Finne- [gans Wake – tormento enfim fossilizado num planeta gélido ex-correndo no vazio.
Fria a letra, frio, talvez, o sentido desses textos e o sangue das batalhas de Homero e os álgidos tratados de ironia de todos os sábios e [Cervantes petrificadas e transparentes as enciclopédias e os poemas de Li-Po e os escritos em rocha viva dos [fenícios toda pedra, enfim, onde uma só letra houver espesso gelo descerá sepultando um sol longínquo.
E assim pousados (eternamente) aguardaremos quem sabe um arqueólogo ou um deus silencioso que roçando as asas sobre essas geleiras de vana verba absorto se indagará : òu sont les feux d’antam ? E sobre as neves d’aujourd’hui irá lendo les chimières et les sagesses et folies eternelles e cauteloso, como convém, ao sábio, irá colhendo a estória [do perdido paraíso o cântico dos cânticos, o realizado apocalipse e só compreenderá o estranho ser humano quando desse livro depreender a mensagem : onde se leu fogo, leia-se água onde se escreveu tudo, leia-se nada
Affonso Romano de Sant´Anna.
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