
Canção Outonal (Federico García Lorca)
Data 08/09/2011 00:34:02 | Tópico: Poemas -> Introspecção
|  Hoje sinto no coração um vago tremor de estrelas, mas minha senda se perde na alma da névoa. A luz me quebra as asas e a dor de minha tristeza vai molhando as recordações na fonte da idéia.
Todas as rosas são brancas, tão brancas como minha pena, e não são as rosas brancas porque nevou sobre elas. Antes tiveram o íris. Também sobre a alma neva. A neve da alma tem copos de beijos e cenas que se fundiram na sombra ou na luz de quem as pensa.
A neve cai das rosas, mas a da alma fica, e a garra dos anos faz um sudário com elas.
Desfazer-se-á a neve quando a morte nos levar? Ou depois haverá outra neve e outras rosas mais perfeitas? Haverá paz entre nós como Cristo nos ensina? Ou nunca será possível a solução do problema?
E se o amor nos engana? Quem a vida nos alenta se o crepúsculo nos funde na verdadeira ciência do Bem que quiçá não exista, e do mal que palpita perto?
Se a esperança se apaga e a Babel começa, que tocha iluminará os caminhos na Terra?
Se o azul é um sonho, que será da inocência? Que será do coração se o Amor não tem flechas?
Se a morte é a morte, que será dos poetas e das coisas adormecidas que já ninguém delas se recorda? Oh! sol das esperanças! Água clara! Lua nova! Corações dos meninos! Almas rudes das pedras! Hoje sinto no coração um vago tremor de estrelas e todas as coisas são tão brancas como minha pena.
Federico García lORCA. Obra Poética Completa. Tradução de William Agel de Mello. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. 3ª ed. p. 21.
Arte: Grafitero em Nova Iorque: REALEJO - Luis Arronte.
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