
Da Grande Muralha
Data 29/04/2011 00:44:45 | Tópico: Poemas
| Havia um homem cuja ocupação obscena ofendias aos transeuntes nauseabundos e incrédulos:
ele não fazia nada senão esmurrar em punhos nus A Grande Muralha.
Dia depois de dia noite depois de noite desferia os golpes, tensos furiosos, contra a pedra e o tijolo,
pele carne e osso versus a rocha ígnea e ignota sangrava, perdia lascas de si mas jamais se interrompia:
Para isto nascera era seu sumo propósito.
- O indivíduo regular de estatura astral mediana inconformado, vez em quando protestava contra a moléstia daquele que desconhecia o sofrimento.
O que esperava tal homem? Onde queria chegar?
Se ninguém jamais se dera conta de que socos cerrados, pouco a pouco abriam caminho na parede ogra.
Investida após investida as migalhas e pedacinhos iam se desprendendo, pela tortura, lentamente um buraco nascia e crescia.
O homem jamais refletira sabia que se um dia interrompesse sua ode obtusa, enfim sentiria toda dor, que até então não tivera chance de adentrar-lhe à consciência,
sabia que estancar, se importar com as opiniões se preocupar com a falácia o asco e o temor dos pedestres, significaria seu fracasso, a queda sem volta.
Tornara-se um imoral diziam as bocas secas, tornara-se um indigente lamentavam os amolecidos.
Mas o homem golpeava sem se cansar sem se questionar:
ele tinha um sonho a visão do outro lado.
Do outro lado, do outro lado da lenda intransponível, ele sabia:
lá haviam verdes prados regatos claros e tépidos toda fauna e toda flora intocadas de suas primeiras infâncias.
Do outro lado, lá haveria pesca e caça lá crianças abusadas e safadas correriam levantando as saias das tias,
lá haveria silêncio e ar puro lá a terra seria virgem e digna de cultivo, os pássaros cantariam em paz os leões partilhariam as ceias com as hienas e cães do mato.
Uma vida humana era ainda curta, mas não demais.
Havia ainda tempo tempo de perder pele músculos e nós de dedos, arrancando pouco a pouco a solidez do muro, que daria passagem ao destemido.
Havia ainda tempo de conquistar o amor a missão a deidade do que vinha a ser...
- Anos e décadas correram, a juventude voou e o cinza dos pêlos e cabelos pousou no semblante do herói,
que na extrema seriedade da batalha longeva parecia sutilmente sorrir.
A dor para ele, nunca fora dor.
Cada murro era um degrau em direção de seu supremo,
eram inspirações duma saga de coragem e prudência, aventura não banal de um que buscava o outro lado.
Tivesse ele parado por um instante, todo horror faria-se visível aos próprios olhos, o esforço se perderia.
Era um gênio imoral, desprezava as consequências odiosas de sua tarefa o isolamento, a fome de explicação das testemunhas revoltadas a ânsia de um término por parte dos que rangiam dentes contra qualquer vigor.
Desprezava a tristeza que causava exatamente aos que mais o amavam, a compaixão e o ressentimento que despertava entre os mais instruídos dos fracos e covardes.
...
Havia um homem cuja obscena ocupação finalmente rompeu o laço da prisão abriu buraco largo o bastante à peregrinação.
Tão logo pisou sua terra prometida, como o primeiro maratonista ao entregar sua mensagem, desabou para jamais levantar.
Caído, combalido mas do outro lado da grande muralha.
Em seu leito de verdes aromas confirmou a convicção de uma vida:
havia ainda mundo havia ainda homem e guerreiro havia ainda água corrente e futuro.
O longo trago do horizonte transparente primeiro e último no peito que cessava trazia consigo, ao vento
o cheiro da esperança o som quieto da vitória da alegria imponderável.
- O buraco se alargou, muitos fizeram a travessia agora simplificada, (muitos haviam tentado escalar a muralha outros escavar por debaixo dela, sempre sucumbindo pelo oxigênio rarefeito das alturas ou pelo ar ausente nas profundezas)
o homem e seu punho foram esquecidos,
mas de seu corpo decomposto sobre a relva brotou uma árvore sem nome que dava frutos inéditos,
-dali uma nova floresta cresceu e com ela uma nova pátria e sua nação.
ORGASMAGIA
|
|