
O Jeca Tatu
Data 11/04/2011 21:00:58 | Tópico: Poemas -> Saudade
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O Jeca Tatu de Monteiro Lobato
--- Medeiros Braga
Eu vou recontar em versos
O que Lobato contou
No seu livro “URUPÊS”
No qual se imortalizou
Ao externar seu talento
No Jeca que projetou.
Essa obra foi escrita
No início do século vinte,
Há mais de noventa anos
E, assim, por conseguinte,
Só se escrevia ao agrado
Das elites de requinte.
Abriu Monteiro Lobato
Na nossa literatura
A trilha e a caminhada
Para uma nova cultura
Onde o homem fosse alvo
Da melhor propositura.
Até a SEMANA DA ARTE
MODERNA , ele antecedeu
O realismo com sucesso
Que “URUPÊS” envolveu
Levou muitos a escrever
Como ele próprio escreveu.
Porém, Monteiro Lobato,
Esse genial escritor,
Já fazia suas críticas
A todo historiador
Que maquia personagens
E lhes dá falso valor.
A manipulação à memória
Falseando o velho e o novo
Limita qualquer história
(E eu por isso reprovo)
A uma sala de visita
Da realidade do povo.
Ele parte da premissa
Que não há com precisão
Um historiador confiável,
Um escritor pé-no-chão
Que extirpasse do ventre
As mazelas da nação.
Não se falava do povo
Nem da miséria que grassa,
Daí que Monteiro Lobato
Levando o protesto às praças
Resolveu por no debate
O sentimento das massas.
Causa e efeito é a ordem
Do método que é aceito,
Mas, na prática a inversão
Acontece em qualquer feito,
Pois, só se chega às causas
Investigando os efeitos.
Foi por isso que Lobato,
Denotando mais sufoco,
Teve que alfinetar
O Jeca e seu mundo louco,
Abrir seu livro da vida
E conhecer mais um pouco.
E começou a investigar
Sua rude indiferença
Sua maneira de agir
De ditar sua sentença
Relatando com minúcias
Onde marcara presença.
E disse: quando D. Pedro
Anuncia o fim do estorvo
No grito de independência
Para o Brasil e seu povo
Jeca Tatu só espia
E se acocora de novo;
Quando a princesa Izabel
A abolição assinala
Sonorizando os tambores
Pelo quilombo e senzala,
Jeca Tatu só “magina”,
Coça a cabeça e não fala;
Quando Floriano Peixoto
Fez estourar sua granada,
Levando o pavor aos lares
Com uma gente assassinada,
De cócoras Jeca Tatu
Não liga nada-com-nada.
Com sua língua travada
Senta sobre os calcanhares,
Se se levanta não deixa
Fugir a voz pelos ares,
Não se interessa por fatos
Do Brasil, nem de além-mares.
Acocora-se para tudo
Que deseja ou não fazer,
Se vai triturar o fumo,
Cortar a palha, acender,
Amolar enxada, a foice,
Tomar café ou comer.
Se acaso encontra algum
Amigo íntimo, é quando,
Mesmo apressado, ele pára
E, enquanto está conversando,
Pra conservar o seu hábito
Vai logo se acocorando.
Sua índole de acrobata
Traduz-se em atos fiéis,
Com todo peso se agacha
Impecável e sem revés
Se equilibrando por horas
Sobre os dois dedãos dos pés
Jeca Tatu só produz
Aquilo que necessita
E todo o seu excedente
É para a troca restrita
Qual roupa de arranca-toco
E algum vestido de chita.
Ele traz para a cidade,
Com o fito de permutar,
Guaribolas, coco verde,
Banana, manga, cajá,
Farinha de mandioca,
Batata, maracujá.
Traz ainda um caititu,
Galinha de capoeira,
Ovos bem novos, gostosos,
Que são vendidos na feira,
E mais...para quem quiser,
Tem uma égua parideira
E quando instado a falar
De forma lúcida, serena,
No incentivo ao aumento
Da produção tão pequena,
Jeca Tatu se limita
A dizer: “não paga a pena”.
Da terra só a mandioca
Com o milho pra fazer pão
E a cana que dá garapa
E rapadura ao montão...
Dum rolete tem-se o açúcar
Para o ponche de limão.
No lar do Jeca Tatu
A mobília é uma asneira,
A munheca é a colher
Por ser prática e ligeira,
Um só banco de três pernas
E uma cama de esteira.
Segundo o Jeca, a munheca
É faca, é garfo, é colher,
Bem pode ser ela usada
Ao tempo que se quiser,
Torna a comida gostosa,
Não dá trabalho à mulher.
No mais se pode ali ver
De súbito, com precisão,
Cuia, cabaça, gamela,
Marmita lenha, fogão,
Pote de barro, um caneco
E a panela de feijão.
Eis num gancho à cumeeira
O toucinho pendurado,
O polvarinho de chifre
Está na parede ao lado
E a espingarda pica-pau
Presa a um osso de gado.
A casa é toda de taipa,
Feita de vara e estaca
A pique e barro pastoso
Nessa armação se ensaca
Tornando a parede sólida,
Nem tão forte, nem tão fraca.
Todo o seu teto é de palha
E o piso é barro batido,
O fogão fora de casa
Com três pedras construído,
Só pedra grande, e se chove
Para dentro é removido.
Na casa desse caboclo
Se algum defeito aparece
Não se conserta, mantém-se
E o problema engrandece,
É quando Jeca Tatu
Seu todo restabelece.
Se aparece uma goteira
Na palhoça avariada
O maior trabalho e ação
Na iniciativa tomada
É por ali, pra aparar,
Uma gamela e mais nada.
A lei do menor esforço
É por demais respeitada,
Se cai a massa da casa
Jamais é recolocada,
Sequer a mata que nasce
Pelo terreiro é roçada.
Até as árvores frutíferas
Tão vitais ao ser humano
Só há aquelas que nascem
Do poder do soberano,
Não há jardim, não há horta
Pra um melhor cotidiano.
Porém, por Jeca Tatu
.E em mais alguma ribeira
Tem o caboclo a mezinha,
Na sua ação curadeira,
Um farto material
De medicina caseira.
Tem ervas, casca de pau,
Sementes as mais variadas,
Muitas espécies de grãos,
Folhas de mato afamadas
E as tradições caboclas
Que são por lá cultuadas.
Água de beiço-de-pote
Pra brotoeja é um estouro,
Pra curar a dor de peito
Chá de jasmim-de-cachorro,
Parto difícil... se engole
Um pouco de feijão mouro.
Facada ou carga de chumbo
Basta encontrar e comer
Uma flor de samambaia
Que irá sobreviver,
Saindo da fila da rede
Que é usada após morrer.
Para quebranto de ossos
Muita erva é misturada,
Já a cura pra bronquite
É feita por cusparada
Na boca de um peixe vivo
Que volta à água parada.
Se nada disso resolve
Dentro do tempo esperado
Se busca o São Benedito,
O seu poder defumado,
As águas bentas e o rabo
De tatu tão consagrado.
Fica o enfermo angustiado
Naquele estado de perda...
Mas se usar bem do artifício
A cura o santo não veda,
Se seguir as instruções,
Com certeza, é tiro e queda.
Jeca Tatu vai às feiras,
Bem como, à missa constante,
Lá se ajoelha, confessa,
É católico praticante...
Porém, votar no governo
Pra ele é o mais importante.
Com a roupa do casamento
E os sapatos já sem cor
Sai mancando pra pegar,
Com o mais ingênuo fervor
Junto a seu chefe político,
Seu diploma de eleitor.
Votando, não sabe em quem,
Encerra a destinação,
Devolve o diploma ao chefe,
Recebe um aperto de mão
E a lembrança da promessa
Pra bem depois da eleição.
Porém, todo sentimento
De pátria é desconhecido,
Nação, povo solidário,
Pra Jeca não faz sentido...
E se atacado o país
Não toma nenhum partido.
Guerra?... “te esconjuro!...”
Teme o recrutamento,
E pra dele se livrar
Seria, no insano senso,
Capaz de cortar um dedo
Como fez seu tio Lourenço.
É esse o Jeca Tatu
Que se imbuiu no urupê,
Na festa dos tangarás,
Dançando o cateretê
Onde há abelhas de sol
E coisas que só ele vê.
É esse o Jeca Tatu
Cheio de idas e voltas
Que vai, ao canto estridente
Das cigarras e gaivotas
Modorrando silencioso
Pelo recesso das grotas.
É esse o Jeca Tatu
Que de face enternecida
Não canta, não ri, não ama,
Não fala de voz erguida,
Nem consegue viver bem
No meio de tanta vida.
Mas, pra Monteiro Lobato,
Jeca Tatu foi, então,
O resultado grotesco
Do modelo de gestão
Que se implantou no país
Mas, jamais, por opção.
Conhecendo todo efeito
Pelas ações passageiras
A demência, a ignorância
E as doenças corriqueiras,
Chegou ele à conclusão
Das suas causas verdadeiras
E o Instituto Oswaldo Cruz
Mostrou com maior clareza
Milhões com chaga, malária,
Ankilostomose, fraqueza,
Que só levaram ao povo
Miséria, atraso, pobreza.
Então o grande escritor
Compenetrado, por fim,
Ao analisar os dois lados
Do Jeca, o bom e o ruim,
Concluiu que o caboclo
“Não é assim, está assim.”
Sem ter receios de errar
Sob este teto de anil,
Digo com convicção
Que, retratado o perfil,
O infeliz Jeca Tatu
Tem a cara do Brasil.
Brasil que grassa apático
Pelo seu braço cruzado,
Brasil caboclo onde sofre
Um povo hospitalizado,
Brasil análfa que vota
Subserviente e errado.
Esse imenso contingente
De jecas, sempre atuais,
Encurralados, sofrendo,
As mazelas sociais
Estão nas filas de emprego
Ou nos leitos de hospitais.
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