
Mas afinal por que chove todos os dias?
Data 23/01/2011 19:11:47 | Tópico: Textos -> Surrealistas
| “Céu encoberto com possibilidades de aguaceiros.” … Algures no limiar da fantasia: – Doutor Gramostovsky, tenho-me sentido mal! Muito mal! – expôs soluçando a Sra. Consciência. – Ora, Sra. Consciência, não se sinta. Quer contar-me o que a atormenta? – retorquiu o Doutor Gramostovsky muito enfatuado e cínico. – Bom, Sr. Doutor, há muito tempo que tenho tentado fazer o que me tem dito… Aquilo de tentar sugar o bom do mal que me resta e descartar-me do mal entranhado no bom que me acontece… Sabe? – Sei, sim, ora não haveria de saber, Sra. Consciência? E então? – perguntou o Dr. Gramostovsky com um falso interesse. – Olhe, é o meu primo Imperativo. Sabe Deus como aquele rapaz sai ao pai… o meu tio Teimosia, sabe? – Esse coitado, teve uma morte sofrida, mas que deixou um diabinho por cá, ai isso deixou! - o rapaz não pára de me atormentar com o meu divórcio. Mas o Sr. Doutor sabe, as coisas entre mim e o meu ex-marido Emoção já não resultavam… Creio que ainda se lembra de como foi difícil que tivesse ultrapassado este martírio. Olhe, só tenho é que agradecer a todos os que apoiaram, principalmente à minha grande amiga Determinação que sempre se mostrou muito prestável… Mas deixemo-nos de mexeriquices que elas não pagam contas! – exclamou, convicta, a Sra. Consciência. O doutor Gramostovsky mostrava-se com um grande impasse interior e uma falta de paciência enorme. – Ora nem mais, Sra. Consciência, ora nem mais… Diga-me lá o que tem. Sabe… é que, com todo o respeito, eu tenho muitos pacientes, como deve saber. - ripostou o Dr. Gramostovsky. – Pois, claro… Ando tão confusa que nem faço jus ao meu nome, queria-me desculpar, Dr. Gramostovsky, queira-me desculpar… Sabe, é que ando num impasse tal que… – Chega, mulher! Vai dizer-me o que tem ou não!? - Disse o Doutor, interrompendo de forma aguda. – É que… Sabe… eu… - disse a Sra. Consciência soluçante, mastigando as próprias palavras e pouco convicta do que dizia. – Desembuche, mulher! – exclamou desesperado Gramostovsky. – Com esta pressão tão grande por parte do Imperativo sinto-me sem espaço para organizar as minhas ideias, para reflectir acerca do que sou ou o que quero, do mal que fiz e como posso redimir-me, do bom que ainda posso vir a fazer e de como agarrar as oportunidades que virão, do valor do arrependimento! Sim, do arrependimento! - que tudo se revela muito enevoado sempre que penso no meu querido Emoção… - Numa introspecção - AHH circunstâncias, seu bando de parasitas que me atormentam! AHH Imperativo, como ousas chamar-me prima!? Surpreso pela reacção explosiva da sua paciente, Dr. Gramostovsky redargúi: – Bom, vejo que se encontra muito perturbada. Outra coisa não seria de esperar, está com uma pressão enorme em cima de si. Avaliando a sua posição, tenho de lhe perguntar se está disposta a cometer um crime moral altamente crasso. – Tudo o que for preciso para aliviar esta minha constância! – afirmou decidida a Sra. Consciência. – Sendo assim, proponho que faça o seu primo ingerir 10ml deste fármaco que o fará adormecer. Um sono prolongado. Enquanto isso, faça por reestabelecer o bom ambiente com o seu ex-marido Emoção, que bem sei que lhe faz falta embora não o admita muito facilmente. – aconselhou o Dr. Gramostovsky num estado misto caracterizado pelo balanço entre o impasse e a prestabilidade. A Sra. Consciência abandonou a sala e nunca mais – dali em frente – voltou a falar com o Dr. Gramostovsky. Dias mais tarde: “Transplandeça vivacidade neste magnífico dia de sol!”
Rui Gomes
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