
Mancha Humana
Data 28/09/2010 19:07:48 | Tópico: Poemas -> Sociais
| Decorria o ano de 1803. Tropas britânicas atacavam Dezenas de aldeias africanas Na tarde quente O silêncio era rasgado Pelos gritos dilacerantes de criaturas Cuja vida era ceifada Num golpe cruel e inesperado O Sol torrava Centenas de corpos inanimados Espalhados em tropel Pela savana africana Em ritual lento e uniforme O batuque soava Incessante Anunciando o luto que pairava Sobre o continente negro Homens, mulheres e crianças Corriam espavoridos Embrenhando-se Na densa floresta virgem Derrubando a ânsia desmedida De escapar à morte
Que o Monstro arrancado Dos Sóis que hão-de vir Seja o perfil de Satanás Revestido da cor do Luto
Aldeias e tribos inteiras A serem chacinadas Enquanto ali aos teus pés Jorrava o sangue ainda quente De uma jovem negra Atrozmente mutilada E mais sangue negro corria veloz Por toda a estepe angolana Vindos de todas as direcções Doíam-te os gritos Os passos confusos E o choro de crianças Invocando o nome de Mãe Já morta Com a tenra voz Impregnada de angústia
Caíste então, de joelhos Choraste lágrimas de impotência Ergueste os braços E gritaste: - Só peço uma única razão! Nada havia a fazer contra a fúria solta Das Bestas Humanas! Era o Medo! Era o Luto! Era a Fome! Era tão-somente, a requintada calamidade da guerra
Suplicando misericórdia ao deus da tua religião Bamboleaste o teu enorme corpo suado Ao ritmo do antigo ritual de feitiçaria
Esta é a última imagem que me resta de ti meu irmão O resultado psicológico de tal façanha Contrária à moral e às leis da Natureza Humana Firmou-se numa impressão violenta De desgosto e repulsão Que tu e eu jamais esqueceremos! E por aí, num canto homicida do Planeta A besta continua a declamar:
Que eu seja país de moléstia Morte, doença nefasta Onde não cresce a giesta Nem o terror se afasta
Lutemos, Senhor!
Manuela Fonseca
(1988)
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