
O LIXO DA POESIA
Data 05/09/2010 18:12:54 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| Diante do espelho sorrio… Levanto a cabeça…. Sou poeta! Que sei eu?! Poeta é ter a palavra do vento nos dedos Deixar a tinta escorregar pelas veias Bradar a alma num impulso…
Do vento… Nem as sílabas morrem nas folhas das árvores Nem as palavras recolhem à língua que as pronuncia! Ditongos, cujo propósito é intimidarem os versos, São esculpidos nas escarpas em forma de monumento…! Restam as longas e belas formas do poema Como um corpo esculpido a canivete Na sensibilidade do poeta que o engendrou… Não tenho nada disto!
Tão pouco o poema tem alguma utilidade! Existe porque é necessário complicar o estudo dos cansados De ficarem sentados numa sala de aula a tentarem esmiuçar o conteúdo De um texto que, muitas vezes, nem o poeta sabe porque o escreveu… Nem sequer o que pretendeu com ele…!
Para quê o poema? Se alguma lira entoasse acordes celestiais e os céus Abrissem as portas angelicais e uma luz saída das nuvens Irradiasse sobre os corpos aflitos de tanto o esperarem… Também não! Às liras arranquei as cordas no tempo do Rei David Quando fez amor com um General no átrio da entrada do castelo E todo o povo acenou com lenços no ar tamanha alegria…! As portas celestes fecharam-se porque eu quis um verso E o mérito da grandeza cabe apenas aos escolhidos pela Musa Porque é ela que determina a fármaca medida do sonho!
Nem me apetece gritar! Qual deserto, concilio os pensamentos com a inacção E acredito que é impossível fazer pior…! Nem me apetece fazer melhor! A poesia é apenas um reduto cúbico que potencia a inteligência Dos que arrotam os nomes dos grandes poetas como sardinha assada Acompanhados de um tinto de títulos dos respectivos escritos… Ou o jantar cadavérico de engravatados que à falta de outro assunto Desatam a comentar os grandes clássicos como se tivessem convivido com eles E todos se tratassem por tu na hora crucial do uso do penico da casa!
Para quê escrever poesia? Alimentar lunáticos que esbarram nas academias do livro Onde se projecta o poema como quem atira farinha de milho às paredes Até esta formar uma camada horrível e elástica! Desacreditam da universalidade da mensagem! Endereçam teoremas subtis de elites absolutamente elitistas Cuja presunção serve para fatiar como presunto E servir rodeado de alguns lucros sem investimento, trabalho, nem nada?
Para quê servir o poema? Para quê escrever? Acaso cabe algum mérito na dor? Acaso há algum louro na alegria? Acaso isto é um poema? Acaso teria de ser um poema?
Errónea vontade de andar só no mundo apregoando fatalidades… Porque a poesia é também a grande fatalidade da verdade Qualquer que seja a vestimenta que traje! Alguém quer saber da verdade para alguma coisa? Cinjam o poema à dor de corno ou ao amor libidinoso Que arrasta alguma lágrima mais condoída até aos lábios De um desejo de olhos fechados de concretização… Ou a concretização de um desejo de olhos fechados… Os olhos fechados à concretização de um desejo… Não interessa!
A poesia deve ter duas únicas vias como as auto-estradas modernas: De um lado a subtileza de ideias desconectadas e frases soltas Que permitam filosofar à grande e á francesa sobre todas as possibilidades Que as possibilidades podem oferecer à filosofia. Do outro lado a irradiação cósmica dos poemas pimba Réplicas muito bem sucedidas das canções de escárnio e maldizer Cantadas à porta das tabernas nas festas populares medievais E hoje tida com honras de imprensa, figuras públicas e novos-ricos!
Sim, é inveja, eu sei. Porque não haveria de invejar Tudo aquilo que por recusa da minha estúpida sensibilidade anormal Me recuso a fazer, e se o faço é para rir do que não deve ser feito, Apenas para dar ares de uma cultura qualquer responsada entre um bagaço E uma conversa fútil num bar gay a ouvir estereótipos musicais! Sim, é inveja, eu sei!
Não invejo a forma do objectos… Mas o lucro que deles se aproveita! Porque raio não me habituei de uma vez por todas a esta sociedade consumista Que vive de modestas aparências chiquíssimas por debaixo do intelectual vazio? Podia… Eu sei que podia…! Não fosse a estupidez de pensar e de sonhar… Esta insatisfação plena aliada à certeza de que me falta sempre alguma coisa E de nunca me sentir bem com o que fiz ou desejei!
É insanidade… Mas foi exactamente para isso que fizeram os sanatórios…. É necessário retirar das ruas os loucos como eu que ainda acreditam que voam… (Por acaso voo mesmo…!) Se não conseguirem ser iguais aos outros todos – abatem-nos! Para que fizeram catanas? Fuzis? Canhões! Bombas? O objectivo não era garantir a defesa e a paz no mundo? Como pode o mundo ter paz se pessoas como eu não o permitem? Já que o poder bélico não pode subordinar a teoria do poema que ninguém lê Inventem coisas que criem necessidades nos indivíduos e lhes tire tempo! O tempo preciso para que possam pensar… Pensar é perigoso… Pensar é tão perigoso que pode levar qualquer um a ler um poema Fora do círculo das paixões carnais e dos textos em banho-maria E pensar que até o amor pode ser revolucionário… Revolucionário! Isto é demasiado perigoso para o mundo! É indecente matar o poeta na civilização moderna Tão contra as prepotências, vícios e excessos do capitalismo. Então mata-se o poema que não fala Com a arma do relógio de pulso e das coquetices!
Para quê o poema? Para quê o poeta? Para quê eu? Vou amarrotar as minhas verdades e pensar na realidade objectiva Que são as eternas contas por pagar E providenciar o lucro de mais alguns indivíduos…
António Casado
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