
Só comigo!
Data 30/06/2010 09:13:55 | Tópico: Contos -> Humor
| Entrei na pastelaria, como faço todos os fins- de-semana. Reconheço que é um pequeno luxo a que me dou o direito e a verdade é que nasci mais virada para a parte dos deveres e afins. Por lá, conhecem-me, sem que, no entanto, se tenham dado ao trabalho de me perguntar o nome. Dirigi-me ao balcão e sem que tivesse oportunidade de pedir fosse o que fosse para comer, já a balconista havia posto um abatanado à minha frente e balbuciado algo quase imperceptível, entre dentes: - Está aí! É para si! - Olhei para a empregada da pastelaria e nesse preciso momento percebi que também eu nunca me dera ao trabalho de saber o seu nome. Quanto a isso estávamos quites. Aí, como quem não quer a coisa, perguntei-lhe: - Olhe, desculpe! O abatanado é para mim? Ela respondeu: - Não é o que costuma beber? Olhei para aquela chávena a transbordar de café e estive tentada a beber e calar, só para não levantar mais celeuma, mas respondi-lhe: - Não, eu bebo sempre uma meia de leite. Desculpe mas tenho hipertensão. A senhora, sem nome, olhou-me indignada e respondeu convicta de que acertara no meu gosto à primeira: - Bebe sempre um abatanado e agora está a fazer-se esquisita! Juro que fiz que não ouvi e virei-me para o lado e cumprimentei as pessoas conhecidas que estavam sentadas numa mesa ali perto. - Olhe quer um folhado para comer com a meia de leite? Eu corri a responder: - Não, eu queria um palmier simples, se faz favor! Quando me apercebi já a eficiente funcionária da pastelaria havia posto o meu pedido em cima da mesa. A senhora primava pela rapidez no atendimento. Como não vejo lá muito bem ao perto ainda fiquei na dúvida se estaria a ver mal, mas ao aproximar-me do balcão verifiquei que se tratava de uma milaneza. Enchi-me de coragem e balbuciei: - Olhe, desculpe! Eu pedi um palmier simples. A funcionária respondeu rubra de raiva: - A senhora pediu um folhado. É é muito intolerante! Nessa altura já a meia de leite estava fria e eu ia para lhe dizer que fora ela quem me perguntara se queria um folhado e que eu me limitara a dizer que queria um palmier simples, quando, já aturdida, a vejo pousar em cima do balcão um palmier duplo. Fixei-a e encrespando-me, sabe-se lá porquê, devolvi-lhe o palmier duplo e reiterei o meu pedido: - Olhe, desculpe, mas o que eu pedi foi um palmier simples! - A senhora já viu bem a quantidade de coisas que já me pediu? Juro por Deus que tive vontade de deixar lá a meia de leite e de sair porta fora, mas o melhor ainda estava para vir, a balconista virou-se para mim e retorquiu: - Isto não me está a correr nada bem! Eu respondi: - Deixe lá, todos temos desses dias! - Entretanto já empenhada em atender convenientemente outro cliente, vejo-a colocar um Sumol em cima do balcão. O senhor ao meu lado começou a tossir com os nervos em franja e dirigiu-se a ela dizendo: - Olhe, desculpe, eu pedi uma meia de leite! Senti-me mais reconfortada, afinal não era uma questão de antipatia com a minha pessoa. O único crime que eu cometera era o desgoverno de, em tempo de crise, tomar o pequeno almoço fora…
Maria Fernanda Reis Esteves 50 anos natural: Setúbal
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