
Rabisco na Areia (Hermann Hesse)
Data 28/06/2010 02:08:33 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| Que encantamento e beleza sejam brisa e calafrio, que o delicioso e bom tenha escassa duração
- fogo de artifício, flor, nuvem, bolha de sabão, riso de criança, olhar de mulher no espelho, e tantas outras coisas fabulosas que, mal se descobrem, somem –
disso, com pena, sabemos.
Ao que é permanente e fixo não queremos tanto bem: gemas de gélido fogo, ouros de pesado brilho,
por não falar nas estrelas que tão altas não parecem transitórias como nós e não calam fundo na alma.
Não: parece que o melhor, mais digno de amor, se inclina para o fim, beirando a morte, e o que mais encanta – notas de música, que ao nascerem já fogem, se desvanecem –
são brisas, são águas, caças feridas de leve mágoa, que nem pelo tempo de uma batida de coração deixam-se reter, prender.
Som após som, mal se tocam, já se esvaem, vão-se embora.
Nosso coração assim leal e fraternalmente se entrega ao fugaz, ao vivo, não ao seguro e durável.
Cansa-nos o permanente - rochas, mundo estelar, jóias – a nós, transmutantes, almas de ar e bolhas de sabão, cingidos ao tempo, efêmeros a quem o orvalho na rosa, o idílio de um passarinho, o fim de um painel de nuvens, fulgor de neve, arco-íris, borboleta que esvoaça, eco de riso que só de passagem nos alcança, pode valer uma festa ou razão de dor.
Amamos o que é semelhante a nós, e entendemos os rabiscos que o vento deixa na areia.
Hermann Hesse (1877-1962), escritor alemão, In: “Andares”.
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