
EU COM VINÍCIUS
Data 22/05/2010 10:24:29 | Tópico: Crónicas
| p/ Ana Martins
Eu era apenas um menino. Só com quinze anos, que queria jogar futebol e pensava em ser padre, por influência da avó materna, que sonhava em ver o neto mais velho de batina. Na casa em frente onde morávamos, estava o produtor musical Fernando Faro. E ali também ficava hospedado o poeta Vinícius de Moraes. Minha mãe, que partiu no dia 11 de janeiro agora, mostrava o poeta, ao lado do seu sempre fiel escudeiro, Toquinho, o violonista e compositor Antônio Pecci Filho. Jamais na minha idade de quinze anoscheguei a me aproximar de Vinícius. Sempre tive uma timidez incorrigível, o que talvez me tenha dado o dom de escrever e de pouco falar. Embora ele, Vinícius, fosse pequeno no tamanho, mas grande no que escrevia. Foi preciso me tornar jornalista um dia para entrevistá-lo, beber um gim-tônica às dez horas da manhã com ele e nos tornarmos amigos. Ouvi de boca, logo cedo, já tocado pelo álcool, o seu Soneto de Fidelidade, e depois me cantar o seu Berimbau, parceria com o também genial Baden Powell, acompanhado pelo violão de Toquinho, que,por sinal, não bebia. Vinícius não sabia cantar, ele mesmo tinha ciência disso, mas dizia como um poeta deve dizer. A revista Manchete foi generosa comigo: publicou em página dupla a foto, feita por José Pinto, com os dois - Vinícius e eu com o copo de gim na mão. Mais tarde, o compositor de sambas primorosos, Zé Keti, entra na redação do Diário Popular, na rua Major Quedinho, onde eu também colaborava com as minhas crônicas diárias. Dirige-se à minha mesa. Me puxa pelo braço. "Vamos descer um pouco", ele diz. Entramos no café Estadão. Eu peço um uísque, ele um café. Com muito jeito, ele me diz: "Seu amigo Vinícius morreu hoje cedo. Na banheira. Na casa dele.Não vai dar tempo de você ir. Nem eu vou." Entornei meu uísque de um gole só. E não quis escrever mais nada. Não voltei à redação do jornal. Tomei um porre danado. E deixei por isso. Um poeta, como Vinícius não morre, vira estrela. Prometi que se um dia tivesse um filho homem se chamaria Vinícius. Não tive. Fico devendo.
Presença de Vinícius
"Porque hoje é sábado." Vinícius de Moraes
entro na sala e encontro o poeta juntos erguemos nossos copos e brindamos saúdes antigas
o poeta fuma eu fumo também como se cumpríssemos a um ritual secular cedo demais para beber e fumar tanto...
o poeta se ajeita na poltrona e ri vinícius não morreu - concluo está apenas a fazer graça hoje vinícius não pode morrer
vinícius está bem vivo aqui comigo na sala vinícius bebe e fuma comigo na sala
vinícius respira tranquilo ao poeta hoje não é dado o direito de morrer
acordem as amadas todas as amadas e as mal-amadas também
hoje não é dado a vinícius o direito de morrer hoje não porque hoje é sábado
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júlio
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júlio
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