
Sob epígrafe de Ruy Belo
Data 02/05/2010 22:14:53 | Tópico: Poemas
| O frio abre a praça
Novembro é quanta cor o céu consente às casas com que o frio abre a praça Ruy Belo
1.
a fechadura esquece a chave o tempo deixou-lhe no regaço uma lembrança que teimam as ruínas acordar
2.
por que imagens se grava a solidão na porta abandonada pelo estio onde a mulher se senta na memória
3.
a praça alegoria que se molda por pombas repousadas no coreto como dedos pousados na carótida
4.
percorre a linguagem dos escombros entre sombras erguendo no silêncio o possível resgate de um poema
5.
na colheita de um verso a pulsação de uma sílaba aberta ao desespero porque raptada ao magma do silêncio
6.
uma ave como folha derradeira despede-se da praça como faca degolando as palavras sitiadas
7.
e vamos peregrinos do verão perscrutando o sul aves que demandam as mãos que ergam do mar a sinfonia
8.
persiste uma memória de algemas suspensas nas janelas onde o frio se estende como roupa no estendal
9.
de passagem os lábios visitam as cores da palavra casa ou canto quando o sol se debruça no horizonte
10.
oclusa a casa é veia cintilante sob as cortinas que dançam pelas mãos de um fogo exposto ao gume de um olhar
11.
as urbes são moldadas pelas ruas as ruas pelas casas e estas dizem das molduras colhidas pelo outono
12.
há um passo apressado nos passeios um pássaro que cia cria a queda para a morte da sede da cidade
13.
não morrem nos poemas as palavras antes na voz dos homens quando perdem da árvore a lucidez à raiz presa
14.
quando a casa entra em nós por nossos passos dilui-se a rua aos poucos como estore que suspende o caminho para a luz
15.
pelo espelho renasce a tua face outra corpo de verso plena música nas águas de um lago por haver
16.
entra por uma fresta o último acorde que do velho coreto se desprende enquanto na lareira a voz acorda
17.
quando a casa se vira para a rua como livro que se abre rente ao olhar acorda o espanto acorda para o mundo
18.
e da cor consentida pelo frio veste-se a casa enquanto a praça a coteja sob o céu quando é Novembro
19.
um potro galga a cerca do poente pelo dorso das águas procura a perfeita palavra a poesia
20.
novembro que ao inverno rouba o hálito que ao outono empresta há-de pela praça semear a paleta do poema
Xavier Zarco
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