
ENTRE O SER E O NÃO SER HOMENAGEM A CARLOS D. DE ANDRADE
Data 25/03/2010 18:23:15 | Tópico: Poemas
| . " Entre o Ser e as Coisas "
Onda e amor, onde amor, ando indagando ao largo vento e a rocha imperativa, e a tudo me arremesso, nesse quando amanhece frescor de coisa viva.
As almas, não, as almas vão pairando, e, esquecendo a lição que já se esquiva, tornam amor humor, e vago e brando o que a de natureza corrosiva.
Nágua e na pedra amor deixa gravados seus hieróglifos e mensagens, suas verdades mais secretas a mais nuas.
E nem os elementos encantados sabem do amor que o punge e que e, pungindo, uma fogueira a arder no dia findo.
Carlos Drummond de Andrade
1
“Uma fogueira a arder no dia findo” O sentimento invade a noite imensa E quando neste amor uma alma pensa Um raro amanhecer; sinto e deslindo O quão diverso sonho se esvaindo E nele esta certeza agora intensa Da mais sobeja e rara recompensa No encanto feito amor, deveras lindo, Poder estar contigo e nesta frágua Ausente dos meus olhos dor e mágoa Sentir a eternidade de um momento, E nele me aprofundo e sinto enfim, O gozo perfilando junto a mim, Trazendo vida ao tolo sentimento...
2
“Sabem do amor que o punge e que e, pungindo” Permite aos sonhadores raro encanto E quando se percebe neste canto Um dia em flores feito, ressurgindo Tornando este jardim agora infindo E nele se decifra como e quanto O medo neste instante em luz espanto Sentindo a paz imensa reluzindo, Qual fora um sol intenso na manhã Que outrora imaginara quase vã E sei quão bela nasce em claros lumes, Amar e perceber tanta beleza Seguindo mansamente a correnteza Bem antes que dos olhos, fujas e esfumes.
3
“E nem os elementos encantados” Consigam transtornar quem tanto sonha, A vida em nossos dias mais risonha Deixando adormecidos os enfados, Adentro os mais divinos, belos prados, E neles sentimento se componha Vivendo esta manhã que nos reponha Momentos em ternura perpetrados. Vencidos os temores vejo em ti, O encanto que deveras persegui, Ungindo cada passo, eternidade... E sinto esta beleza sem igual, No toque carinhoso e sensual, Bebendo toda a luz que agora invade.
4
“verdades mais secretas a mais nuas” Escondem-se no peito de quem ama E sendo indecifrável, mesmo, a trama, Enquanto te aprofundas já flutuas, Trazendo para o solo, tantas luas Amor se faz perfeito em mel e drama, E quando imensamente se reclama, Por mais que dominada, nunca influas. Assim se demonstrando tais verdades Envoltas por terríveis falsidades Em névoas tantas vezes implausíveis. Pudesse caminhar a passos largos, Mas quando às vezes doces ou amargos, Caminhos com certeza intraduzíveis...
5
“seus hieróglifos e mensagens, suas” Palavras perdidas, insensatas, Enquanto em tal loucura me arrebatas Diversa dos meus sonhos; continuas.
Assim ele se faz imenso e louco, Tampouco mais seria se não fosse, Deveras muitas vezes agridoce E quando se diz muito, por vezes pouco.
E tendo neste encanto as variáveis Que tanto me maltratam e aliviam, As sendas dos amores propiciam Momentos tão falíveis e mutáveis.
Enigmas que jamais eu traduzi, Conheço ou desconheço, mesmo em ti.
6
“Nágua e na pedra amor deixa gravados” As variantes todas de uma sorte, Por quanto tantas vezes nos comporte, Momentos entre sóis belos, nublados.
Às vezes em caminhos mais ousados, Transcorre com loucuras nosso norte, Porém quando se seca algum aporte, Os dias entre trevas, inundados.
Ausente coerência num amor, Primitivo demais ou sacrossanto, E nele se deveras eu me encanto,
Talvez seja não ter ou me propor A ser além da vida, mesmo breve, Liberto coração, ao Céu se atreve...
7
“o que a de natureza corrosiva” Diversa da que dita uma esperança Ainda quando ao vago ela se lança Persiste tão somente, sobreviva.
E quando desta sorte ela se priva Perfaz com o passado uma aliança Buscando algum momento em temperança Dos sonhos mais audazes já se criva.
Em solilóquio vago muitas vezes, E quando se percebem, dias, meses Reveses tão comuns me tornam brando.
Escalo estas terríveis cordilheiras E mesmo que talvez não mais me queiras Caminho pouco a pouco se avançando.
8
“tornam amor humor, e vago e brando” O sentimento díspar que ora trago Se nele vejo às vezes um afago, O quanto se transforma em nunca ou quando.
Havendo discrepâncias: sim e não, Caminhos para o mesmo fim; concebo. E quanta maravilha diz placebo Em nova e variada direção.
Pudesse ter no olhar uma certeza E não escalaria falsas torres, E tento se talvez já me socorres
Vencer a mais complexa correnteza. Assim num infinito ser/não ser Aonde se escondeu o meu prazer?
9
“e, esquecendo a lição que já se esquiva,’ Por vezes entrelaço cores tantas E quando noutras sanhas desencantas A face se moldando mais altiva. Eletrizando os dias com talvez Tecendo o nada quando se queria, O peso do passado em fantasia Diverso do que agora ainda vês. Escarpas e montanhas, cordilheiras, Tormentas e tempestas, já não quero, Onde se mostrasse mesmo fero As sortes não seriam verdadeiras, Assim num ir e vir quase constante Percebo o passo em falso, vacilante...
10
“As almas, não, as almas vão pairando,” Vasculham cada canto e sabem tudo, Nas ânsias do prazer que ora me iludo, O peso já não fora ao menos brando.
O parto se anuncia e nada tendo Somente a solidão que agora entranho, O beijo se fizera desde antanho Um mero desenhar, quase um adendo.
E pude decifrar em almas frágeis Momentos mais terríveis e doídos, Aonde revolvendo os meus olvidos Escapo por caminhos bem mais ágeis.
Mas quando num amor eu agonizo, Invés de sol percebo o vão granizo...
11
“amanhece frescor de coisa viva” No olhar esperançoso deste alguém Pensando nos momentos que inda vêm Enquanto a realidade nega e priva.
Escapo dos meus medos, me aprofundo E bebo do vazio que me deste, O solo se tornara tão agreste E o coração deveras vagabundo.
Vagando bar em bar ao nada ver Esvai-se em cada gole, resta o não, Mesquinhas aventuras mostrarão O quão inútil pode ser prazer.
Elevo o pensamento, mas depois, Não vejo nem a sombra de nós dois...
12
“e a tudo me arremesso, nesse quando” Pudesse ser além do que não fui, Enquanto todo sonho sei que rui, Jamais eu poderia caminhando
Vencer as intempéries desta sorte Audaz e mesmo atroz, mas reticente, E tudo o que galgando já se sente Não tendo mais sequer o que comporte
Esvai-se num segundo e nada sendo Pereço pouco a pouco, dia a dia, Somente o dissabor se mostraria Aonde quis um céu mais estupendo.
Haver ou não haver, lugar comum, Após o que sonhei, resta o nenhum...
13
“ao largo vento e a rocha imperativa,” O caos se preconiza e nada vejo, Aonde se pensara no desejo, Uma alma tão somente sobreviva,
Após as tempestades corriqueiras As sendas se alagando a traduzir O que não poderia ser porvir, Matando no jardim velhas roseiras.
E o pântano se mostra movediço, Aonde se pudera acreditar Na vida em força e luz, rara e solar, Já não concebo mais, sequer cobiço
E o vício de sonhar ainda existe No coração deveras tolo e triste.
14
“Onda e amor, onde amor, ando indagando” E nada sem resposta se traduz Na ausência absoluta de uma luz, Queimando o coração em fogo brando.
O par sem par se perde no vazio E o vento em vendaval, agora é brisa Palavra mais doída e mais precisa, Prepara esta ilusão que desafio.
Nas ondas deste encanto canto tanto E tento mesmo atento, algum alento, Aonde se mostrara o sentimento, Apenas se porfia o desencanto.
Entre o ser e o não ser, coisas dispersas, Aonde fantasias vãs, imersas...
VALMAR LOUMANN
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