
IV - HOMENAGEM A OLAVO BILAC
Data 23/03/2010 17:11:01 | Tópico: Poemas
| IV
Como a floresta secular, sombria, Virgem do passo humano e do machado, Onde apenas, horrendo, ecoa o brado Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia, Assim também, da luz do amor privado, Tinhas o coração ermo e fechado, Como a floresta secular, sombria...
Hoje, entre os ramos, a canção sonora Soltam festivamente os passarinhos. Tinge o cimo das árvores a aurora...
Palpitam flores, estremecem ninhos, . . E o sol do amor, que não entrava outrora, Entra dourando a areia dos caminhos.
Olavo Bilac
1
“Entra dourando a areia dos caminhos” O sol se transformando em guia e fonte, Reinando sobre a linha do horizonte Guiando os tantos pássaros aos ninhos. Forrando a terra em áurea maravilha Azulejado céu se torna imenso, E quando neste brilho paro e penso, Minha alma em luzes fartas também trilha Seguindo cada raio na manhã Deveras tão fantástica que vejo, Iridescentes lumes num lampejo, E a vida recomeça o seu afã. E tendo sob os olhos tal beleza, Verseja dentro em mim a natureza.
2
“E o sol do amor, que não entrava outrora,” Ao perceber distante dos meus olhos Jardim que agora entranha-se em abrolhos Enquanto esta aridez tudo devora. Encontro sob os raios deste sol Sobeja maravilha que, infinita Deveras transformando uma desdita Traçando em minha vida, este farol. Percebo que se emana dentro da alma Prismático e sem par, raro espetáculo, Não tendo mais sequer qualquer obstáculo, Imensa claridade já me acalma, Excelso dia, eu sinto me tocando, Num ar suave e manso, claro e brando...
3
“Palpitam flores, estremecem ninhos,” Envoltos pela intensa claridade Tornando bem mais bela a realidade, Não tendo mais meus dias tão sozinhos, Permito-me sonhar e em cada sonho Deveras se pressente um Paraíso, O passo destemido e mais preciso, Num raro amanhecer que ora componho, E vendo-te tão bela em luzes fartas, Rondando a minha mente, fantasias, E enquanto com prazeres tu me guias As dores e os temores; já descartas. Seguindo cada passo rumo à paz Que amor, sem ter limite; quer e traz.
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“Tinge o cimo das árvores a aurora’ Derrama sobre a Terra em áureos tons, E os pássaros entoam vários “C Enquanto a Natureza se decora. Pudesse ter deveras a certeza Do quanto se faz raro este momento, Teria pelo menos um alento, Gerando dentro em mim tal fortaleza Que nada impediria o meu caminho Aonde se pensara em dor e tédio, O amor se demonstrando este remédio Trazendo a paz aonde ora me aninho. Seguindo cada passo desta luz, O brilho em teu olhar se reproduz...
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“Soltam festivamente os passarinhos” Vagando por diversas direções, Nos cantos mais fantásticos me expões Belezas que se espalham nos caminhos, E quando me percebo mais feliz Vivendo desta forma, sem temores, Sabendo em meu canteiro tantas flores E nelas farto amor que me bendiz. Tomado por carinhos, sigo em frente Deixando no passado a dor imensa, E quando tenho em ti a recompensa, O mundo se transforma, num repente. E sinto neste céu tal festival De um canto mavioso, sem igual...
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“Hoje, entre os ramos, a canção sonora” Dos pássaros trazendo na alvorada A imagem tão sobeja quão dourada Nesta manhã divina que se aflora. Mergulho em cada raio fulgurante Que emana-se tomando todo o espaço E quando neste sol divino eu traço Porquanto em tal beleza se agigante O sonho mais audaz e a divindade Trazendo para tantos, luz e vida A história noutras eras já perdida Agora de esperança enfim se invade. Tornando bem mais belo o meu jardim, Derrama maravilhas sobre mim...
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“Como a floresta secular, sombria” A vida se mostrara em árdua cor, E tendo tão somente o desamor, A sorte a cada corte desafia, E eu tento vislumbrar alguma sorte Diversa da que tanto me maltrata, A vida se por vezes é ingrata Sem ter sequer quem mesmo nos conforte, Percebo ainda ao longe num relance O brilho deste sol que se aproxima E nele com certeza nova estima Tocando minha pele em belo alcance. Lançando o meu olhar neste horizonte Permito que este amor, novo, desponte...
8
“Tinhas o coração ermo e fechado” Depois dos vendavais e tempestades, A vida traz correntes, frias grades, Porquanto ainda vivo o teu passado, Mas quando nos meus braços te entregaste Mudando a direção dos ventos, vi Que toda esta pujança havia em ti Gerando com a dor raro contraste, Bebendo cada gota deste encanto, Já não se vê mais dores no caminho, E quando nos teus braços eu me aninho, Um pássaro liberto, enfim, eu canto. E sei que tu também segues tranqüila Na glória que este amor, raro, destila...
9
“Assim também, da luz, o amor privado” Jamais encontraria amanhecer E tendo mais distante algum prazer A dor já dominando rumo e Fado. Pudesse ter nas mãos a minha sorte Não haveria tanto sofrimento, E quando nos teus braços eu me alento Encontro quem deveras me conforte, Trazendo lenitivo às tantas dores Mudando a direção, em paz prossigo, E tendo neste amor um raro abrigo, Seguindo cada passo aonde fores, As flores renascendo no canteiro, Num sol sobejo e claro, verdadeiro...
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“Não atravessa nunca a luz do dia,” A sombra do que fora desamor Ao mesmo tempo em ti percebo a cor Que o coração deveras já recria Matizes tão diversos da emoção Alheias fantasias do passado, Agora ao ver meu rumo ensolarado, Jamais conhecerei a solidão. Vestindo de ilusão meu peito eu sigo Enfrentando as tempestas mais vorazes E quanto mais amor, querida trazes Maior a sensação de imenso abrigo. Não deixe que este encanto finde, pois, É dele ora o futuro de nós dois...
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“Do tigre, e cuja agreste ramaria” As garras com os ramos misturados Caminhos que pensara abençoados Transformam a beleza em agonia. A fera se mostrando atocaiada Floresta impenetrável, desamores, Aonde se pensara colher flores, A morte sendo assim anunciada. Vencido pelo medo, nada tenho Somente este vazio dentro da alma, Nem mesmo uma alegria inda me acalma, Pois sinto quão é frágil tal empenho. Do tigre, da floresta, do terror, O fim do que pensara eterno amor...
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“Onde apenas, horrendo, ecoa o brado” Da fera que prepara-se em espreita A sorte malfadada não aceita Destino pelos deuses já traçado. O peso do viver se acumulando Vergastas me cortando dia a dia, Aonde se pensara em fantasia, Em tempo mais suave, ameno e brando Imenso temporal ora aproxima E deixa em polvorosa a Natureza, Lutando contra a intensa correnteza, Sem ter sequer o sonho que redima, Prepara-se o final da minha história Deveras dolorida e merencória...
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“Virgem do passo humano e do machado” Florestas dentro da alma mais ferozes, Jamais ouvindo enfim dos sonhos vozes, Amor há tanto tempo abandonado. Vivendo sem saber sequer ternura, O corte se prepara a cada instante, E o que pudera ser mais deslumbrante Transforma qualquer brilho na loucura Que doma e não permite a caminhada Daquele que se fez um eremita, A sorte se transforma na desdita, Jamais reconhecendo uma alvorada, A negritude imensa do arrebol, Impede o brilho farto de algum sol.
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“Como a floresta secular, sombria,” Minha alma se perdendo em turvas águas Trazendo tão somente frias mágoas Do que vivera outrora em fantasia. Não tendo com certeza a boa sorte Que tanto desejara quem sonhava, Apenas nos meus olhos, fogo e lava, Seguindo cada passo sem suporte. Pressinto assim o fim do sonho e então Depois da tempestade sem bonança Restando algum resquício de esperança, Quem sabe novos dias me trarão Após o sofrimento e o desprazer, O sol num belo e claro amanhecer!
VALMAR LOUMANN
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