
Quantas vezes, Amor, me tens ferido? HOMENAGEM A BOCAGE
Data 23/03/2010 15:30:51 | Tópico: Poemas
| Quantas vezes, Amor, me tens ferido? Bocage
Quantas vezes, Amor, me tens ferido? Quantas vezes, Razão, me tens curado? Quão fácil de um estado a outro estado O mortal sem querer é conduzido!
Tal, que em grau venerando, alto e luzido, Como que até regia a mão do fado, Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado, Depois com ferros vis se vê cingido:
Para que o nosso orgulho as asas corte, Que variedade inclui esta medida, Este intervalo da existência à morte!
Travam-se gosto, e dor; sossego e lida; É lei da natureza, é lei da sorte, Que seja o mal e o bem matiz da vida.
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“Que seja o mal e o bem matiz da vida” E desta forma a sorte se lançando Num ar tempestuoso ou mesmo brando Enquanto traz o ungüento diz ferida.
Assim nesta diversa variedade Vê-se tanta alegria quão tristeza Da mansidão imensa correnteza Do sim ao não total diversidade,
O todo se moldando desta forma A cada novo dia chuva e sol, E nesta discrepância no arrebol, Decerto se transmuda e se transforma.
Diferenças profundas ou sutis Assim do bem, do mal, vário matiz.
2
“É lei da Natureza, lei da Sorte,” A que permite a glória em abissais Caminhos divergentes; demonstrais Em vossos dias vejo vário Norte
Portanto em tais momentos divergentes Angústias em sorrisos, sóis e luas As almas demonstrando em cores cruas Felizes ou quem sabe; penitentes.
Assim nesta suprem maravilha Desfeita e recomposta a cada instante Lapida-se deveras diamante Vulgar cristal também decerto brilha.
As sendas percorridas sendo assim, O início para alguns traduz o fim.
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“Travam-se gosto e dor; sossego e lida” No mesmo vão momento, sombra e luz, Ao nada ou ao tanto nos conduz A estrada que pensaras já perdida.
O quanto se fazendo do tão pouco, O mundo perpetua dor e riso, Assim inferno e limbo ou paraíso, Enquanto já me curo, me treslouco.
Assisto ao mais perfeito ou tanto inglório E sei que do talvez possa vir nada, Ou tudo se fazendo desta estada Diverso estoque traz o vivo empório.
Mesquinhas noites dizem dias bons, Mudando a cada instante, ritos, tons.
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“Este intervalo da existência à morte” Permite que se veja e sinta tanta Felicidade e dor enquanto encanta Na imensidade plena nos comporte
Traçando assim real dicotomia Versando sobre tudo em pouco tempo Deveras alegria e contratempo Mudanças onde tanto se porfia.
Gerando esta fantástica emoção Do ser e do jamais alcançarei Matizes diferentes, mesma grei Transcorrem na diversa direção.
Aonde sendo cais, ida e partida, Ao mesmo tempo encontro e despedida.
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“Que variedade inclui esta medida” Da sorte muitas vezes traiçoeira E quando se pensando muda inteira A sanha que pensara-se perdida.
Por vezes nosso rumo se transmuda E sendo assim deveras mais fugaz, Ao mesmo tempo o medo, angústia e a paz, O quão se faz enorme ou tão miúda.
Estradas nos levando ao mesmo fim, Percalços entre espinhos, pedras, urzes E ledos caminhares traçam luzes, Demônio se transforma em querubim.
Bendizes ou maldizes uma sorte Que tanto desagrade quão conforte.
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“Para que nosso orgulho as asas corte” A vida nos prepara uma surpresa Enquanto em tão diversa sobremesa Por vezes o sorriso dita a morte. Caladas noites, dias desumanos, Hedônicos caminhos quando orgásticos Deveras muitas vezes são sarcásticos Mudando a todo instante velhos planos. Riquezas e misérias costumeiras, Matizes em prismáticos desníveis, Momentos muitas vezes aprazíveis Espinhos traduzindo estas roseiras. Assíduas variantes de um delírio Trazendo mil prazeres num martírio.
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“Depois com ferros vis se vê cingido” Podendo muitas vezes transformar E quando se lapida maltratar Deixando o original em triste olvido. Por sortes tão diversas caminhamos E temos nossos passos rumo ao nada, Mudando a direção da velha estrada Por vezes somos servos, somos amos. E quando se percebe em rituais Complexos nossos dias propagados, O vento transformando nossos Fados, Momentos dolorosos, magistrais. Assim errôneos seres quais cometas, Enquanto no vazio te arremetas.
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“Onde o sol, bem de todos, lhe é vedado” As sombras dominando este cenário Ao mesmo tempo enquanto frágil, vário Mostrando noutra face, transmudado, A velha luminária se transforma E quando se percebe mais sombria, A vida gera a luz e se recria, Na eterna mutação, que é lei e norma. Perfaço a mesma estrada e nela vejo As plantas entre inverno e primavera Enquanto o sol ardente nos tempera, O frio muitas vezes diz desejo. Sincrônicos? Jamais. Disparidade Ditando a mais sublime realidade...
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“Como que até regia a mão do Fado” Expressões diferentes traduzindo O que talvez pareça ser infindo E ao fim decerto está ora fadado. O quadro se tecendo a cada dia E nele as pinceladas são constantes, Por quanto se percebem variantes A sorte muitas vezes desafia, E o senso se percebe inexistente No quase e no tanto, muito além, Divina discordância se contém Por mais que alguma luz ainda tente. Ao término da vida em inconstância, Na morte única voz sem discrepância.
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“Tal qual em grau venerando, alto e luzido” O Fado transcorrendo em tempestades Ao mesmo tempo quando mais agrades Maior o temporal já pressentido. Assisto á derrocada tão vulgar Naufrágio da esperança, ancoradouro Diverso do que outrora em nascedouro Pudera ainda mesmo adivinhar. Desespero gerado a cada queda E nela outro momento mais profundo, No qual sem ter defesas eu me inundo Por mais que a própria vida, assim nos veda. E o rumo variável do viver Transforma medo em glória, dor/prazer.
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“O mortal, sem querer é conduzido” Dos píncaros aos vários abissais, Momentos entre tantos temporais, Depois o vento leva em vago olvido. Somando estes tropeços com acertos, Deveras poderemos perceber Numa inconstância eterna o mesmo ser Caminhos muitas vezes entreabertos. Portais fechados, rotas discrepantes, Formando e reformando em tantas cores, Diverso do que outrora ainda fores Verás novas estâncias por instantes. Assíduas raridades, dias bons, E duras tempestades noutros tons.
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“Quão fácil de um estado a outro estado” Mutáveis faces dizem este espelho, E quando nele às vezes me aconselho Percebo santidade num pecado. Ousando ser feliz de vem em quando, Teimando contra a força da maré, Não sei o que deveras é; não é, A cada novo tempo transformando. Geração em geração se modifica E o quanto do passado ainda trago, Ao mesmo tempo é dano, duro estrago, O dia após o dia se edifica. E quando se percebe; nada mais Do que pensara em cores magistrais.
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“Quantas vezes, Razão me tens curado?” O Amor que tanto atrai enquanto dói Ao mesmo tempo tudo já constrói Depois se vê deveras destroçado. Assim nesta diversa maravilha, O medo quando em luzes se transforma, Mudando a cada instante a sua forma Porquanto nova senda sempre trilha. Pudesse ter nas mãos a direção Qual fora um velho e bravo timoneiro, Mas quando se mostrando corriqueiro Rebenta num momento este timão. E o tanto que pensara ser um cais, Esbarra em tão diversos vendavais.
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“Quantas vezes Amor, me tens ferido?” E traças com terror o que era nobre, A manta me aquecendo já descobre E o frio novamente se é sentido. Percebo nestas luzes tão complexas Resíduos da sombria ingratidão, Aonde se pensara no verão Inverno traz tormentas desconexas. Perfilo dor e pranto em pleno gozo, E sinto quão diversa a vida traça Às vezes se perdendo na fumaça O quanto se pensara fabuloso. Porém no amor insisto e não me canso, Mesmo tempestuoso, frio ou manso...
VALMAR LOUMANN
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