
ANÁLISE - EM HOMENAGEM A FERNANDO PESSOA
Data 19/03/2010 17:14:57 | Tópico: Poemas
| ANÁLISE Tão abstrata é a idéia do teu ser Que me vem de te olhar, que, ao entreter Os meus olhos nos teus, perco-os de vista, E nada fica em meu olhar, e dista Teu corpo do meu ver tão longemente, E a idéia do teu ser fica tão rente Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me Sabendo que tu és, que, só por ter-me Consciente de ti, nem a mim sinto. E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto A ilusão da sensação, e sonho, Não te vendo, nem vendo, nem sabendo Que te vejo, ou sequer que sou, risonho Do interior crepúsculo tristonho Em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
FERNANDO PESSOA
1
“Em que sinto que sonho o que me sinto sendo” Apenas ao buscar qualquer caminho Que em meio aos dissabores adivinho Por vezes solitário ou estupendo.
E quando em poesia me contendo Não posso mais seguir, sendo sozinho Esboço a precisão de um falso vinho, E nela se percebe o dividendo
Atento ao nada ter já não consigo Vencer o que pudera em desabrigo, Cinzel perpetuando cada verso
Esculpo o que talvez ninguém perceba, Mas quando da aguardente amarga beba, Conceba num soneto este universo.
2
“Do interior crepúsculo tristonho” Extraio o descaminho ainda que No fundo a realidade não se vê Tampouco ao que deveras me proponho.
Esgarço com palavras noite e dia, Afasto-me dos medos me aproximo, Sabendo a cada passo deste limo E o tombo com certeza não se adia.
Extraviando assim o passo, alheio Aos vários dissabores que desfruto Por mais que ainda tente ser astuto Vontade de seguir; teimo e refreio,
Tristeza soletrando a cada lavra Colhendo em amargura uma palavra...
3
“Que te vejo, ou sequer que sou, risonho” Falseio a realidade, vil farsante E quando se pensara em diamante Cristal; somente vejo e recomponho
Meu mundo mesmo quando em vago sonho, Por vezes é terrível, delirante, Mutável caminheiro a cada instante, Percebo quão inválido e tristonho
Se o peso que carrego enverga as costas, Perdendo num relance tais apostas, Esparsas as palavras de um soneto,
E o corpo em lassidão já não comporta Sequer a poesia semi morta Que ainda mesmo espúrio, ora cometo.
4
“Não te vendo, nem vendo, nem sabendo” Se o quanto se pudesse ser além Do vago que deveras sempre vem Depois de um tempo amargo ou estupendo.
Escuto a voz do vento me clamando E nela as emoções são variadas Ao medo minhas sortes já lançadas O fogo que ora invade sendo brando
Não deixa a cicatriz nem mesmo em fráguas Diversas embalando o pensamento, Pudesse ter talvez algum tormento Nos mares em que tanto crês, deságuas.
E sirvo de alimária pra quem tenta Fazer a poesia mais sedenta...
5
“A ilusão da sensação, e sonho,” Servir aos meus propósitos banais, Os quadros dos desejos magistrais São todos falsos quadros que componho.
O peso do passado não reponho E deixo para além o porto e o cais, Partícipe do encanto do jamais, Percebo quão diverso se é bisonho.
Ecléticas visões de dias tantos, E deles se concebem os quebrantos Nos quais eu adivinho a poesia,
E o bêbado funâmbulo desaba Na corda sempre bamba, enquanto acaba Sem nexo, sem amor o que eu queria...
6
“E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto” E faço da mentira a fortaleza, Decerto quanto agravo a correnteza O beijo que pensara segue extinto.
Vestir a alegoria mais ingrata E ter decerto o medo que sacia Mecânica diversa da alegria O mundo reconhece e desbarata,
Alívio se percebe quando então Repastos feito em luzes tu propagas, Andando por diversas, toscas plagas, Mergulho sem sentido ou direção,
E neste verso imerso, nada crio, Somente permaneço mais sombrio...
7
“Consciente de ti, nem a mim sinto” E sei que tanto quanto já me dou, Recolho tão somente o que sobrou, Deixando-me levar por este instinto.
E quando nos teus olhos eu me pinto Vestindo o que deveras se rasgou, A velha fantasia não restou Traçando a realidade que ora minto.
Pressinto o que talvez não aconteça Ainda quando inútil obedeça O coração veleiro sem um porto.
Trafego por diversas avenidas Caminho por estradas divididas, E beijo o meu passado, mesmo morto...
8
“Sabendo que tu és, que, só por ter-me” Eu tento em desvario prosseguir, Mesmo que esteja longe do porvir Não posso nem consigo mais conter-me.
E trago nos meus olhos o abandono, Semeio mesmo em vão em solo agreste, Bebendo cada gota do que deste, Os erros do passado agora clono.
E vivo por saber que no futuro Ainda existirá tal liberdade, E quando a vida inteira se degrade Num tempo mais cruel, portanto escuro,
Sobrevivendo aos velhos temporais, O barco encontrará, de novo um cais...
9
“Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me” Assim tão frágil, posso caminhar Mesmo quando não tenha algum luar, Ninguém jamais deveras vai conter-me
Portanto se me encontras quase inerme Não verás no silêncio o me negar, Somente contra tudo irei lutar Até que alguém consiga convencer-me.
Perdendo desde sempre qualquer rumo, As tramas enganosas eu resumo E bebo da tempesta sem temor,
Pudesse desfiar cada novelo E assim ao desvendar, já percebê-lo Além do que pudesse me propor...
10
“E a idéia do teu ser fica tão rente” Que esbarra nos meus dias e me entranha Aquém da imensidão de uma montanha, Por mais que ainda seja tão ardente
Agindo contra todas as promessas E os erros convergindo num só fato, Degenerando a vida me maltrato Enquanto a cada tempo recomeças
Usando da palavra como açoite Vergastas lacerando o meu futuro, Porquanto dentro em mim inda procuro, Além do que se fora algum pernoite
Esgoto as minhas chances de poder Um dia, finalmente me saber...
11
“Teu corpo do meu ver tão longemente,” Escapando das mãos, não mais consigo E teimo contra tudo e sem abrigo, Jamais por mais que ainda inútil tente.
Ecléticas versões do mesmo enredo, Não podem discernir plena verdade, Alheio ao que me dizes, vejo a grade E tento, desairoso, e até concedo
Um tempo mais feliz quem sabe quanto Dos antros mais estranhos, nada vejo Somente esta semente de um desejo Canteiro semeado em desencanto.
Pergunto sem respostas, mas não creio, Distante dos teus olhos, meu anseio...
12
“E nada fica em meu olhar, e dista” Das mãos a solução que ainda tento, Pesando em minhas costas, pensamento, A sorte se perdendo, velha artista.
O corpo se esfacela e não desista Encontro em tua senda o forte vento E nele com certeza tal tormento, Por mais que a fantasia ainda insista.
Pudesse ter colheita mais perfeita, Mas nada se mostrando quando deita Ao solo com venal semeadura.
O passo sendo assim, trôpego e falso Somente encontrará queda e percalço Aonde imaginara uma ternura...
13
“Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,” Num mosaico infinito, feito em luzes E quando à perfeição tu me conduzes Diversa realidade que persista.
Caleidoscópio vário em mil matizes, No espelho de tua alma me perdi E quando me percebo estou aqui, Diverso do que tanto me desdizes,
Não posso ter além do que consigo Se eu sou em ti diversidade E quando na maior profundidade, Vislumbro tanto amor quanto perigo.
E passo a ser somente um complemento Deste conjunto aonde tomo assento.
14
“Que me vem de te olhar, que, ao entreter” Não deixa qualquer dúvida e se imerso No todo se transforma este universo, Num misto de pavor e de prazer.
O passo mais audaz ao perceber O quanto se propõe a cada verso Sentindo ser apenas mais disperso O que talvez pudesse merecer.
Alio-me ao quanto és e não me calo, Seguindo cada passo neste embalo, Eu sou o que tu és, e não me omito.
Transcende-se ao real e multiplica A forma que deveras se edifica Gerando tão somente este infinito...
15
“Tão abstrata é a idéia do teu ser” Que quando a concretizo se percebe Além do que pudesse simples sebe Um universo imenso a me conter.
Percebo em ti diversa dimensão E assim perpetuando num mosaico O quanto inda parece ser prosaico, Mas nunca percebera divisão.
Etéreas as imagens procriadas E nelas prosseguindo imerso, creio Que além de simplesmente mero veio, Unidos somos mais que tantas vidas.
Análises complexas e reais Fenômenos supernos, magistrais...
MARCOS LOURES
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