
Outros tempos
Data 06/07/2007 00:05:21 | Tópico: Contos
| Fugiu o arranhão para a cara dele. Não foi de propósito mas dois fios de sangue engrossaram e os pingos cairam na t-shirt azul clara. Era velha, mal passada, puída de alguns verões.
"Gosto tanto de ti."
Seguiu-se uma chapada, uma resposta firme, culatra puxada atrás. Na cara dela uma mão ficou marcada e as lágrimas cuspiram-se dos olhos.
"Obrigado, fica-me tão bem esta cor."
O corpo maciço do homem projectou-se para a frente, encurralando-a no canto da divisão vazia. E de novo a sua mão silvou no ar, atingindo a mesma face, agora ainda com mais violência. A cabeça dela bateu com estrondo na parede mas não disse ai nem ui.
"Tu fazes-me tão feliz, sabias?"
O medo e a humilhação puseram força e toneladas de ódio no seu joelho. Atingiu-o com toda a força, ali, onde a sua virilidade se concentra mas pateticamente, quando atingida, se dobra num urro e num tombo no chão.
"Amor, ficaremos juntos para sempre."
Um momento em suspensão, um silêncio a prenunciar tragédia? Quem sabe... Ele, no chão, impotente para se erguer. Ela, pregada à parede, a cara num inchaço escarlate. No ar as memórias esvoaçam, escapulindo-se por todos os buracos e frinchas. Aquele Verão de promessas já ia bem longe, escamando-se da pele em alegrias que agora não eram mais do que uma caspa a sacudir.
"Até que a morte nos separe?"
Só a morte os poderá separar.
(de bruno cunha, in http://1-por-dia.blogspot.com)
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