
Sentimentos bêbados
Data 26/12/2009 18:50:42 | Tópico: Poemas
| Derrapo a bebida do copo numa lembrança em que me sustento. Na cova da língua ziguezagueiam sedes e enjoos e vou bebendo sem magoar o vermelho dos olhos.
De trago em trago o álcool ergue um império com o peso que o corpo dá... despisto a lucidez dos gestos e a boca, cada vez mais farta de beber e cada vez mais sedenta de não parar!
Sinto que me esvaio por sinas medonhas. No desvario do drama tento parar de me encharcar e procurar os bocados de mim que fui deixando cair nos copos que vazava sem lhes ungir o sabor do líquido.
Sinto que os travões partiram já em dias idos à algum tempo, desgraço-me em surdina mas não há táctica que fizesse a alma já bêbada rebuscar forças que bastassem... Acuso a metade culta do meu corpo por não ter lutado a outra metade, onde a vida é uma daninha beleza que vislumbra apoteoses e sequiosas barbaridades.
Singram-se turbilhões que depois balançam comigo até que se cansem de bailar e acalmem fartos de erupções fugindo às larvas da tristeza ... no entanto, do mau momento bebo outra, a tal última bebida que todo o bêbado diz ao sugar o primeiro trago... Vidrado no tremer dos dedos degolava a liquidez do vazio e impróprio para a vida, cambaleava iluminado pelas candeias que via, falsas, sem notar. E num lugar destes onde tudo se bebe e amantiza chega sempre alguém mais atrasado que paga com a alegria bêbada que trazia como adorno.
Belisco algumas palavras na inércia da voz, a rouquidão do pensamento tossia tonturas ao fígado, e pelo fim da noite já somos irmãos e falei ao álcool que me ouvia do meu cambalear ... uma só passada eu dei e todo o movimento foi um samba. Aquém dali, outros eram tangos e valsas vizinhas - àquela hora da vida, já somos qualquer coisa, qualquer nome e qualquer lugar nos serve!
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