Contos de humor

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares da categoria contos de humor

Mulher na Zona (microconto)

 
Mulher na Zona
by Betha Mendonça

Vestida para “matar” ela caminha até a porta e pergunta:
- Trigésima sétima?
- Quarta sala.
Tímida - apesar da experiência de anos - olha em volta: homens e mulheres da todos os tipos. Alguns com ares de satisfação. Outros, entediados por estar ali apenas a cumprir obrigação... Na sua vez não vacila. Aproxima-se da mesa. Identifica-se. Urna eletrônica: dois dígitos e confirma. Mais um voto concluído na 37ª zona!

(rebublicação)
 
Mulher na Zona (microconto)

Só comigo!

 
Só comigo!
 
Entrei na pastelaria, como faço todos os fins- de-semana. Reconheço que é um pequeno luxo a que me dou o direito e a verdade é que nasci mais virada para a parte dos deveres e afins. Por lá, conhecem-me, sem que, no entanto, se tenham dado ao trabalho de me perguntar o nome. Dirigi-me ao balcão e sem que tivesse oportunidade de pedir fosse o que fosse para comer, já a balconista havia posto um abatanado à minha frente e balbuciado algo quase imperceptível, entre dentes:
- Está aí! É para si!
- Olhei para a empregada da pastelaria e nesse preciso momento percebi que também eu nunca me dera ao trabalho de saber o seu nome. Quanto a isso estávamos quites. Aí, como quem não quer a coisa, perguntei-lhe:
- Olhe, desculpe! O abatanado é para mim?
Ela respondeu:
- Não é o que costuma beber?
Olhei para aquela chávena a transbordar de café e estive tentada a beber e calar, só para não levantar mais celeuma, mas respondi-lhe:
- Não, eu bebo sempre uma meia de leite. Desculpe mas tenho hipertensão.
A senhora, sem nome, olhou-me indignada e respondeu convicta de que acertara no meu gosto à primeira:
- Bebe sempre um abatanado e agora está a fazer-se esquisita!
Juro que fiz que não ouvi e virei-me para o lado e cumprimentei as pessoas conhecidas que estavam sentadas numa mesa ali perto.
- Olhe quer um folhado para comer com a meia de leite?
Eu corri a responder:
- Não, eu queria um palmier simples, se faz favor!
Quando me apercebi já a eficiente funcionária da pastelaria havia posto o meu pedido em cima da mesa. A senhora primava pela rapidez no atendimento.
Como não vejo lá muito bem ao perto ainda fiquei na dúvida se estaria a ver mal, mas ao aproximar-me do balcão verifiquei que se tratava de uma milaneza.
Enchi-me de coragem e balbuciei:
- Olhe, desculpe! Eu pedi um palmier simples.
A funcionária respondeu rubra de raiva:
- A senhora pediu um folhado. É é muito intolerante!
Nessa altura já a meia de leite estava fria e eu ia para lhe dizer que fora ela quem me perguntara se queria um folhado e que eu me limitara a dizer que queria um palmier simples, quando, já aturdida, a vejo pousar em cima do balcão um palmier duplo. Fixei-a e encrespando-me, sabe-se lá porquê, devolvi-lhe o palmier duplo e reiterei o meu pedido:
- Olhe, desculpe, mas o que eu pedi foi um palmier simples!
- A senhora já viu bem a quantidade de coisas que já me pediu? Juro por Deus que tive vontade de deixar lá a meia de leite e de sair porta fora, mas o melhor ainda estava para vir, a balconista virou-se para mim e retorquiu:
- Isto não me está a correr nada bem!
Eu respondi:
- Deixe lá, todos temos desses dias!
- Entretanto já empenhada em atender convenientemente outro cliente, vejo-a colocar um Sumol em cima do balcão. O senhor ao meu lado começou a tossir com os nervos em franja e dirigiu-se a ela dizendo:
- Olhe, desculpe, eu pedi uma meia de leite!
Senti-me mais reconfortada, afinal não era uma questão de antipatia com a minha pessoa. O único crime que eu cometera era o desgoverno de, em tempo de crise, tomar o pequeno almoço fora…

Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal
 
Só comigo!

Cora Corina

 
Cora Corina
 
Foi em uma tarde de sábado que conheci a Dona Corina, senhora de pele alva e dos cabelos acinzentados, com bochechas rosadas sorria, muito, exibindo ruguinhas ao redor dos olhos e da boca que evidenciavam noventa primaveras bem vividas.
Ficamos logo amigas e conversamos sobre vários assuntos até seu filho ir buscá-la.
O salão estava lotado, barulho de secador, gemidos das clientes que sentiam ferver o couro cabeludo com o calor da chapa.
Dona Corina confessou ter se arrependido em votar no presidente que gosta de armas, que vozinha sábia.
A senhora é da Arábia-gritou a manicure gargalhando enquanto tirava um inconveniente bife da cutícula de Dona Corina.
A senhorinha esticou o dedo, levando-o até a boca, corada, mas não reclamou com a funcionária distraída que sorria em coro com todas que estavam no salão.
A senhora brincalhona havia contado um de seus casos mais hilários. Segundo Dona Corina seu esposo gostava de se gabar dizendo aos amigos que teve várias mulheres. A conta de amantes do marido só parou de crescer quando Dona Corina entrou na roda de conversa e afirmou que teve quatro homens.
O marido ficou envergonhado e nunca mais se gabou, pensou até em divórcio durante um tempo, mas Dona Corina contornou o caso com sensatez:
-Amor, tive quatro homens mesmo. Marcelo, Márcio, Mário e Marlus, nossos preciosos filhos.
 
Cora Corina

Por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe...

 
Por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe...
 
A embarcação afundava na vaga da rebentação, mas logo voltava à tona. De velha que era, tornara-se matreira e conhecedora das profundezas. Investia onda abaixo e logo ressurgia orgulhosa com a bandeira com a marca da caveira, esfarrapada e hedionda, a avisar o processo de intenções comandado pelo Melancia, capitão, homem, se é que se lhe podia chamar tal, já que rezava a história que fora capado pela própria mãe. Pirata que se preze não podia admitir tal defeito, melhor seria a falta de um olho ou até de uma orelha, era mais capacho menos capacho.
Com a tripulação junto à proa, sempre atenta, na mira de algum barco desprevenido, o tempo passava, com a água salgada a salpicar-lhes os rostos assados pelo vento e enrugados de malvadez e estupidez natural. Tentando se localizar entre o mar imenso e as ilhotas ao longe avistadas, quantas vezes oásis, fruto do rum que escorria fartamente pelas goelas da crew, a discussão ia acesa em relação às horas que seriam e à rota a tomar, quando Rute batendo com as tampas das panelas deu sinal de que o almoço estava servido.
Os três magrelas corriam atropelando-se para ver qual receberia o melhor prato de caldeirada. Rute era a única figura feminina que o navio pirata conhecia. Mulher sexagenária de uma rudeza quase máscula, mas de grande serventia, pois cozinhar era coisa que os três magrelas e o capitão Melancia, seu filho, não se ajeitavam a fazer.
A caldeirada fumegava no tacho e até as gaivotas se aproximavam para ver de perto que petisco era aquele que lhes aguçava o apetite. O primeiro a chegar à mesa foi Pastel, que levou uma sapatada de Rute e foi obrigado a lavar a cara e as mãos com água salgada porque tresandava a álcool e fedia a ratos mortos. Pincel e Cordel seguiram-lhe o exemplo e o capitão não escapou à água gelada do mar, desinfestando-se todos no mesmo alguidar, como o provou a cor da água que mais parecia de lavar caracóis.
Rute distribuía a comida pelos quatro marmanjos e por fim deixava o melhor do repasto para si, os fígados de peixe, deliciando-se com o rapar do tacho.
Jacob era a sua companhia, com ele falava e desabafava como se o papagaio se tratasse de gente. O raio do bicho apenas respondia:
- Rapa o tacho!
Depois da sumptuosa refeição regada com uma pequena pipa de vinho os 4 homens roncavam que nem porcos estiraçados pelos cantos do navio e era Rute quem vigiava o horizonte.
Voltando atrás, Melancia, assim era chamado já que adorava refrescar-se com este fruto e acompanhava-o sempre com um bom jarro de vinho, o resultado não era o estômago encortiçado, como seria de esperar, mas, apenas, uma piela daquelas de esquecer quem era a própria mãe. Numa das vezes em que se enfrascou, até cair para o lado, imaginou Rute como uma jovem merecedora das suas atenções e interesses e investiu para ela para se satisfazer como homem. Rute, fazendo juz ao facão com que desfolava todos os grandes peixes que preparava para as refeições, deixou em Melancia a marca da sua autoridade. O filho passou a ser, homem sim, mas de um troféu só. Rute educava o filho com as armas que tinha, afinal, ela lhos dera, ela lhos podia tirar. Melancia estava avisado, se repetisse a gracinha ficaria equilibrado.
Na pirataria, como na vida: por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe...

Antologia Bandeira Negra

Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal
 
Por trás de um grande pirata, está sempre uma grande mãe...

Conversa na Horta

 
Conversa na Horta
 
Vó e neto se distraíam no quintal de

casa, quando foram surpreendidos por

Rosinete; mocinha alegre, que beirava os 15

anos e morava ao lado.

-Oi pivete- gritou a garota.

-Fala aí piriguete-respondeu Edu.

A senhora desaprovando os termos

utilizados interpela:- Sejam comportados,

quero mostrar-lhes algo esplêndido. Sigam-

me até a horta.

A vegetação ostentava-se fresca e viçosa.

Dona Lina avistou uma ervinha verde e

aveludada: -O peixinho-da-horta.

Rosinete assustada cochichou para Edu:

-Peixe na mata? Sua vó está doida! Coitada!

O rapaz sorriu e comentou: -É PANC,

relaxe!

A vó continuava com nítido entusiasmo:

-Mastruço...

-Intruso?- Rosinete perguntou em voz

baixa.

Edu tampou a boca da amiga, pedindo-lhe

silêncio.

A senhora abraseada gritou: -Dente-de-

leão, ora-pro-nobis.

Rosinete berrou desesperada: -Deve ser

leão? Ora por nós?-correndo, tropeçou,

caindo de cara em um cansanção!

PANC-Planta Alimentícia Não Convencional.
 
Conversa na Horta

Os homens só servem para apanhar bolas...1

 
Sendo eu mulher, acho que;
75% dos homens só servem para apanhar bolas (têm que servir para alguma coisa).
Estava eu jogando lentamente ténis com o meu querido amigo Marquês de Sade, que, devido às vicissitudes da vida jogava devagar, o que permitia aos apanha bolas não se cansarem muito, uma vez que jà nasceram cansados...
Entre bola vai e bola vem, ele contou-me que a vida tinha sido muito ingrata com ele, uma vez que escreveu livros cheios da mais pura verdade e que passou injustamente metade da vida enclausurado.
Agora dava aulas de sexo a donzelas em Oxford.
Combinei assistir a uma delas...
Sentei-me num canto da sala, muito discreta,como quem jà nada tem para aprender.
As aulas do meu amigo resumiam-se sempre à mesma pergunta:
- Vale a pena as mulheres serem fiéis aos homens?
Ou a luxúria serà paradoxalmente uma enorme virtude?
As respostas das donzelas eram sempre duas:
-Ou o aplaudiam de pè...
-Ou o apredejavam...
Devido aos altos e baixos morreu pouco depois suspirando que foi o mais Sade de todos...
 
Os homens só servem para apanhar bolas...1

As ovelhas pecadoras

 
As ovelhas pecadoras
 
Era uma vez um prado verdejante, com relva tão verdinha, tão fresquinha, mesmo de apetecer! De manhãzinha já por lá se avistavam algumas ovelhas que não queriam perder pitada daquele pasto suculento que lhes entrava pelos olhos adentro, mesmo antes de o abocanhar e de o fazer escorregar goela abaixo. Mais tarde juntava-se-lhes aos poucos o resto do rebanho.
Das muitas que ali se viam, só meia dúzia mais uma se faziam notar pela peculiaridade e irreverência que cada uma possuía.
A malhada de branco e preto era filha de uma ovelha comum e de um carneiro promíscuo, que, ao que se sabia, era também o pai das outras todas...
Essa era vaidosa e gostava de o ser! Caminhava sempre de cabeça levantada e ar sumptuoso, ignorando as que ao pé de si se desgrenhavam por se fazer notar. Coitadas...
A mais lãnuda olhava sempre de lado, com olhar desconfiado mas aguçado e logo se apressava a correr com a desgraçada que tinha ousado encontrar o melhor pedaço de relva, pois está visto que queria para si o que as outras tinham, não abdicando de bocada alguma. A grande invejosa!
A irada, quando estava lá com os azeites dela, dava cornadas a torto e a direito em tudo o que lhe aparecesse à frente. Paciência, era coisa que definitivamente não tinha. Se fosse gente, decerto que precisaria de consultar um psicólogo com urgência antes que se enganchasse nalgum sítio difícil e isso lhe valesse a perda (ou o ganho) dos cornos.
A preguiçosa contentava-se em ruminar o que comera no dia anterior, deitada de frente para o sol. A essa não a incomodavam, visto que não era ameaça para ninguém. Passava longos períodos amoitada no meio do prado e nem a proximidade ameaçadora das irmãs a faziam levantar para o que quer que fosse a não ser na hora do recolher obrigatório, decretado pelo pastor que era também o seu dono. Lá ía contrariada!
A avarenta não era dada a generosidades e por isso mesmo, não sossegava nem deixava nenhuma outra sossegada no seu canto. Era vê-la sempre a correr de um lado para o outro, numa angustiante tarefa de querer abocanhar toda a erva do prado que lhe coubesse na boca... queria-a toda para si! A gulosa acompanhava-a em cada uma das suas investidas, como se fosse a sua clone perfeita ou a sua sombra. Agiam como se fossem duas bandidas, dispostas a tudo para satisfação de si mesmas.
E depois, havia ainda aquela que porventura se acharia a mais sexy do rebanho. A tal que não perdia uma oportunidade de seduzir o jovem carneiro, filho de uma vizinha sua que por estar velha demais fora levada para o matadouro pela altura das festas em honra da Nossa Senhora dos Remédios. Não teve outro remédio, coitada. Todas assistiam aos balidos dengosos e lânguidos bem como aos olhares melosos de ovelha fatal e avessa a castidades mofentas.
Trouxe-vos até uma foto dela, para que possam admirar o seu belo penteado com o qual se pavoneia e se mira em cada pequeno charco que encontra nas poças da chuva pelo caminho, achando-se a mais bela das ovelhas, por certo, a rainha do seu curral!
 
As ovelhas pecadoras

FILOSOFIA DO CAPETA A RESPEITO DA VIDA ALHEIA...

 
FILOSOFIA DO CAPETA A RESPEITO DA VIDA ALHEIA...
 
FILOSOFIA DO CAPETA A RESPEITO DA VIDA ALHEIA...

Comentários do Capeta ao seu primo, o Tinhoso:

- Entregaram aqui mais uma vida ontem. Mas eu recusei... Na hora "H", desisti sem qualquer remorso, sentimento que, aliás, nunca tive, primo. Vê se pode: A encomenda chegou para mim como "Vida ao portador", em pacote não registrado. Só aquele carimbo vermelho batido "AO" (Alma Órfã). Nem a pau assino o recebimento de um ser mequetrefe deste em meu estabelecimento! Mais uma vida perdida, sem eira, nem beira, só para dar trabalho. Sabe aquela alminha leve, oca, vagabunda, terceiro mundista, tipo mala extraviada de avião teco-teco boliviano? Nem quis saber se era da África ou América, ou do raio que a parta! Da Europa ou States não era. Recusei mesmo!

Coçou fortemente um dos enormes cornos e continuou:

- Deixei a vítima para outro menos exigente. Vida assim só traz aborrecimento! Mano Tinha (era deste apelido carinhoso que o Capeta chamava o Tinhoso), o cara era cão sem pedigree, contrato sem assinatura. Eu ficar com alma tranqueira? Furada! O que vale é a qualidade da perdição, não a quantidade dos pecados! Ainda mais este aí, por ninguém recomendado! Cucaracha indigente do caralho ! Fosse ao menos um traficante colombiano. Colombiano, Tinha! Nem pensa em outro tipo. Seria menos pior. Acho que quem pegou o escroque foi o São Pedro.

O Tinhoso contra-argumentou:

- Se nem o Big Pedro quis, danou-se! Lá se foi mais uma vida pr'o limbo! Quando dá nisso, o Poderoso Chefão lá fica bravo! Vem com aquele rosário de que não pode indefinição, que falta planejamento, que o bem mais valioso é a vida e a gente não pode desperdiçar essa preciosidade, a tal da assertividade, você sabe... Vai alegar que faltou comunicação com o andar de cima, que a informação não circulou. Dom Mantello Rosso ("Dom Capa Vermelha" era, bem mafioso, como o Tinhoso, brincando, chamava o primo), você conhece da missa negra muito mais que a metade. O gozado é que o sujeito nunca soube o que fazer com a alma dele a vida toda enquanto encarnado, mas a gente tem que saber o que fazer com o desgraçado assim que desembarca aqui! Normatização antiga do J.C., com aquela velha e irritante mania de perfeição. Lembra quando eu disse brincando para Ele que as cargas que chegavam aqui não eram mais vidas, e sim "zumbis sem direito a voto"? O quanto Ele me azucrinou?! Me chamava de "sem alma"! E eu não sou mesmo? - e os dois pobres diabos até caiam ao chão de tanto ecoar aquela risada fétida. Estavam se divertindo. Adoravam zoar J.C.

Já recuperado das nojentas gargalhadas, o Capeta rebateu de pronto:

- Quer saber? Nem Te ligo, Salvador J.C. o cacete, nhé, nhé, nhé... Francamente! Fala sério! Me rebelei contra as idéias Dele, daquele Livro burocrático e totalmente reacionário e saí fora deste sistema há milênios. Trabalhei pr'á caramba, me organizei, fiz MBA, doutorado e montei tudo isto aqui sem ajuda alguma Dele. É Ele quem paga o estrago se embarca na minha caldeira uma alma deficitária? Não! Vá Ele reclamar para o Pedro com quem tem afinidade, e que, por sinal, é seu subordinado direto. Eu sou só terceirizado, terceirizado! E tem mais: Vai tomar bola nas costas lá no Céu também! O Pedrão não é flor que se cheire! Pedrão tem um pézinho no enxofre! Não vive de sonho não. É capaz de negá-Lo três vezes, e não vai ser a primeira vez.

E como que tomado por uma metralhadora verbal o Capeta continuou:

Vamos combinar, o J.C. não entende nada de administração, não tem bagagem. Vem com esse papo bicho-grilo de que só o amor constrói, argh! Ultrapassado, amador. Nem mesmo o santo povo escolhido dele aguenta! Quero ver é construir igreja sem grana, fazer despacho na encruzilhada só com maldade no coração, mas sem money pr'á frango e farofa... Assim o bem não vira! O mal não sobrevive! E você sabe tanto quanto eu, primo, que um sem o outro não subsiste. São produtos atrelados e se adquire um em função do outro. Executivo que é executivo sério, seja do bem ou do mal, tem que ser como os cristãos primitivos: Ser morto por um leão todo dia! - E mais uma vez o fedor das gargalhadas ardentes dos primos. Sacanear cristãos primitivos era o segundo maior prazer da dupla, depois de zoar J.C., é claro.

Então, o Capeta inspirou fundo pelas ventas para tomar aquele fôlego e soltando aquele bafejo horrível de podridão, pôs a mão esquerda no ombro esquerdo do Tinhoso e arrematou:

- Mano Tinha, meu brother do peito: Essa de ser sincero não é minha praia mesmo, mas agora vou lhe dizer uma verdade: Se não fosse eu e o Pedrão nessa joça, o Universo todo estava um bordel! Com certeza teria sido incorporado a um absoluto maior ou paralelo! E eu ainda tenho que ouvir esse blá, blá, blá de Onipresença! Me poupe...
 
FILOSOFIA DO CAPETA A RESPEITO DA VIDA ALHEIA...

O velho cão

 
Uma senhora foi para um safari na África e levou seu velho vira-lata com ela.
Um dia, caçando borboletas, o velho cão, de repente, deu-se conta de que estava perdido. Vagando a esmo, procurando o caminho de volta, o velho cão percebe que um jovem leopardo o viu e caminha em sua direção, com intenção de conseguir um bom almoço ..
O cachorro velho pensa:
-Oh, oh! Estou mesmo enrascado !
Olhou à volta e viu ossos espalhados no chão por perto. Em vez de apavorar-se mais ainda, o velho cão ajeita-se junto ao osso mais próximo, e começa a roê-lo, dando as costas ao predador ...
Quando o leopardo estava a ponto de dar o bote, o velho cachorro exclama bem alto:
-Cara, este leopardo estava delicioso ! Será que há outros por aí ?
Ouvindo isso, o jovem leopardo, com um arrepio de terror, suspende seu ataque, já quase começado, e se esgueirar na direção das árvores.
-Caramba! pensa o leopardo, essa foi por pouco ! O velho vira-lata quase me pega!
Um macaco, numa árvore ali perto, viu toda a cena e logo imaginou como fazer bom uso do que vira: Em troca de proteção para si, informaria ao predador que o vira-lata não havia comido leopardo algum.. .
E assim foi, rápido, em direção ao leopardo. Mas o velho cachorro o vê correndo na direção do predador em grande velocidade, e pensa :
-Aí tem coisa!
O macaco logo alcança o felino, cochicha-lhe o que interessa e faz um acordo com o leopardo. O jovem leopardo fica furioso por ter sido feito de bobo, e diz:
-Aí, macaco! Suba nas minhas costas para você ver o que acontece com aquele cachorro abusado!
Agora, o velho cachorro vê um leopardo furioso, vindo em sua direção, com um macaco nas costas, e pensa:
-E agora, o que é que eu posso fazer ?
Em vez de correr (sabendo que suas pernas doloridas não o levariam longe...), o cachorro senta, mais uma vez dando costas aos agressores, e fazendo de conta que ainda não os viu, e quando estavam perto o bastante para ouvi-lo, o velho cão diz :
-Cadê aquele macaco safado? Estou morrendo de fome!
Ele disse que ia trazer outro leopardo para mim e não chega nunca!
Imediatamente o leopardo se esquiva para longe do cachorro e devora o macaco.

Moral da história:

Não mexa com Cachorro Velho...

Idade e habilidade se sobrepõem à juventude e intriga.

Sabedoria só vem com idade e experiência.

Esta é uma piada que rola pela WEB
 
O velho cão

A Mais Bela Fórmula

 
Desde miúdo tenho por hábito contar pelos dedos os segundos que duram o sinal vermelho. Cedo aprendi os números até vinte por o meu pai tamborilar sobre o volante aqueles segundos de desafio previsto todas as manhãs até ao colégio. Os números aprendi cedo. Talvez tenha sido esse o meu primeiro sucesso que, durante algum tempo, rendeu chupas e gomas dos amigos lá de casa, embora a minha prematura aptidão para a matemática não tenha vindo a revelar-se o sucesso por todos garantido. Antes pelo contrário. O meu pai bem se esforçou pelo meu reconhecimento de que os matemáticos também falam da estética e da elegância das suas demonstrações, mas, para mim, a mais bela fórmula do mundo é a metáfora. Só na puberdade é que compreendi o dito comum do meu padrinho de que a mais bela "forma" do mundo era a mulher. Ainda hoje não sei se ele se referia à mulher ou à Mulher. A primeira (dele) não deve ter sido. Quanto à segunda hipótese, passámos a estar de acordo. O ritmo até perfazer a duração exacta do sinal só o tempo o ditou. Formular um desejo até o semáforo abrir é mais recente. Gosto de desafios...
 
A Mais Bela Fórmula

Conversa furada

 
Conversa furada
 
Engrácia excomungava a desdita, embora soubesse que as três filhas não tinham como se sentir culpadas. Bertília, Donzília e Generosa eram o quadro vivo da falta de massa cinzenta do seu, graças a Deus, já falecido pai. Dominguinhos, como era conhecido na aldeia, era mais burro que o jumento Pileca e mais casmurro que a mula velha Dentinha, ambos seus únicos amigos e confidentes, já que Dominguinhos zurrava, por entre dentes, os poucos vocábulos que conseguia vociferar.
Engrácia, até hoje, desconhecia porque havia embarcado naquele matrimónio, o facto é que a sua cruz não acabara com a morte de Dominguinhos, pois o finado deixara em herança 3 pedras por lapidar.
Bertília, com ar desalinhado, vivia escondida pelos quatro cantos da casa e agarrada ao borralho onde preparava café, cujo aroma a cevada, a remetia para a fantasia da Gata Borralheira e a fazia sonhar, embora ela dormisse sempre de olhos abertos. O seu vocabulário limitava-se rudimentarmente a meia dúzia de palavras com as consoantes trocadas.
Donzília, de formas arredondadas e ar afogueado, vivia agarrada à vassoura, e em movimentos repetitivos espalhava o lixo que acabara de recolher com a pá ferrugenta, condição a que ela atribuía a culpa de não ver concluída a tarefa a que se propusera, exterminar o lixo das suas miseráveis vidas. Expressava-se com uma dislexia quase tortuosa o que a obrigava a evitar falar com estranhos.
Generosa, a quem a mãe assim baptizou por acreditar que esta filha seria talhada à sua imagem, nasceu muito franzina e ao longo dos anos foi-se revelando de saúde muito frágil, destruindo as ilusões de Engrácia de este último rebento ser o mais são e escorreito. A beleza também não assentou nela e a timidez impediram-na de se relacionar, por complexo e fraqueza. Mesmo em família era quase a sacho que se lhe arrancava alguma palavra.
Não podendo contar com as filhas para a ajudarem nas compras, Engrácia avisou que iria à cidade e recomendou, como era seu uso, que não abrissem a porta a ninguém e que não falassem com estranhos na sua ausência.
Um vendedor ambulante que passava por ali, conhecedor da história destas tristes irmãs, proibidas de falar com desconhecidos, fez uma aposta com um amigo da aldeia em como seria capaz de pôr as três irmãs a falar com ele.
Aproximou-se da casa e bateu à porta, recebendo em troca um silêncio mordaz, as irmãs estavam assustadas e não ousavam sequer falar umas com as outras. O vendedor começou a gritar que estava a morrer à sede e de pronto a porta abriu-se e surgiram, em fila, as 3 jovens com olhar esbugalhado.
O vendedor repetiu que tinha sede porque achava que tinha febre e que se não lhe dessem de beber que não aguentava até à cidade. As irmãs entreolharam-se com cumplicidade e Bertília foi à cozinha e trouxe um púcaro com água fresca da enfusa. O Vendedor agradeceu e bebeu a água, deixando de seguida cair o púcaro que se fez em cacos de barro.

Bertília gritou de imediato: “ Ai que lá se tebou o putaínho!”
Donzília retorquiu: “Tebou-se não se tebasse!”
E Generosa na convicta eloquência do seu discurso acrescentou: “A mãe disse que não fanasse, bem fiz eu que não fanei!”
O vendedor saciado da sede e da curiosidade lá se desculpou e partiu para a cidade.
A aposta estava ganha.





Maria Fernanda Reis Esteves
49 anos
Natural: Setúbal
email: nandaesteves@sapo.pt
 
Conversa furada

O homem mais rico que eu conheci

 
Quando era menino, se alguém viesse me perguntar qual o homem mais rico de Bálsamo, com certeza responderia: "É o Roanico". Lembro que quando passava um avião sobre a cidade todos diziam ser dele. Eu acreditava mesmo nisso, só depois de muito tempo vi que era brincadeira.
Ele inventava um pouco, outros aumentavam mais um tanto, e assim ele ficava cada vez mais rico, pelo menos no imaginário. A cada estória ia acumulando fazendas, garimpo de diamante, mansões em Brasília, aviões, helicópteros...
Meu pai gostava muito dele. Ouvi uma vez meu pai dizer que maior que a imaginação dele só mesmo o coração. De qualquer forma, ele pode não ter sido um homem rico, mas suas estórias sempre foram.

Essa é mais ou menos assim:
Contava que tinha comprado uma fazenda no norte de Goiás, que era muito linda, tinha uma sede maravilhosa, muito gado... Mas que por estar cuidando de outros investimentos, ficou um bom tempo sem poder ir pra lá. No dia que as coisas acalmaram, chamou seu piloto e foram de helicóptero. Era melhor o helicóptero porque a fazenda realmente era muito grande e ele não dispunha de muitos dias. Só mesmo de helicóptero é que daria tempo de percorrer ela inteira. Além disso, era muito gado e com o helicóptero ficava mais fácil localizar o rebanho.
Quando chegaram na fazenda, já bem tarde, foram direto para a sede. Iam passar a noite ali e percorrer a fazenda no dia seguinte. O problema é que quando chegaram na sede, como já fazia muito tempo que ninguém ia pra lá e considerando também, principalmente, que a terra era muito boa, viram que o colonião tinha coberto o campo de pouso, bem como tudo em volta. Não dava pra pousar. Foi então que ele teve uma ideia, mas quando falou para o piloto, o piloto não teve coragem de tentar. Irritado ele assumiu o comando, virou o helicóptero de cabeça pra baixo e roçou com as hélices o campo de pouso.

Vou contar outra dele, mas essa não é estória não, aconteceu mesmo. Quem me contou foi um amigo, Joãozinho. Esse meu amigo mora numa fazenda bem perto de Bálsamo. Ele gosta de tomar umas cachaças, até tem uma pequena coleção, se bem que não é bem uma coleção porque esta sempre bebendo ela. De vez em quando vou lá tomar umas com ele. Ele era muito amigo do Roanico e conhece várias de suas estórias.
Disse que certa vez o Roanico lhe pediu uma carona até S. J. do Rio Preto. Chegando lá, fez questão de levar o Roanico onde ele precisava, mesmo saindo um pouco da rota. O Ronico agradeceu, mas quando foi descer, o pessoal que o aguardava viu ele e foram ao seu encontro. O Roanico então esperou um pouquinho e quando o pessoal já estava perto da camionete, abriu a porta, desceu e foi dizendo:
- Motorista, por favor! Vai resolver aquilo que eu te mandei, mas não esqueça: Daqui duas horas você me pega no lugar combinado.... Vê se não atrasa, heim!
E fechou a porta, sem dar chances a qualquer resposta.
 
O homem mais rico que eu conheci

DECRETO-LEI Nº 1246 (Luso Poemas)

 
Por não saber ler nem escrever
Mas por ser sábia quando adormeço
E ainda mais quando nada digo
solicito-vos queridos concidadãos
que se entendam durante algumas horas.
Não se oferecem carros nem chupa-chupas
O único prémio possível neste momento
É NÃO OUVIR A CAMPANHA ELEITORAL DAS AUTÁRQUICAS
e aturar
A DEMAGOGIA DO POLÍTICOS!

Este decreto lei auto suspende-se
com a mesma velocidade com que amuam
os Poetas desta casa!

PENSAMENTO

Incremente, sim...
afague as minhas carências!

Ou será penitência
de uma alma mundana?

Não sei... mas prefiro o céu
A esbarrar nos meus olhos
Do que a terra
A explodir excrementos psíquicos!
 
DECRETO-LEI Nº 1246 (Luso Poemas)

O sumiço do Santo casamenteiro

 
O sumiço do Santo casamenteiro
 
O sumiço do Santo casamenteiro.

Elen de Moraes Kochman

Procuro impaciente a foto do meu Santinho casamenteiro. Desde o divórcio – faz tempo! – minha Advogada colocou-a na minha carteira. Reviro bolsas, gavetas e não a encontro. Sumiu! O Santo se escondeu, talvez, exausto de interceder pelos solitários. Embora não creia que me vá arranjar marido, não quero sair de casa sem ele, logo hoje no seu dia – dos namorados – mas vejo que é o jeito!

Com o tempo, a gente se apega às manias: sempre ando duas quadras antes de entrar num táxi. Não gosto que saibam onde moro. O motorista, um senhor simpático, muito perfumado àquela hora da manhã, fala mais do que dirige, embora sua conversa seja agradável. Enquanto fala, olha-me pelo retrovisor e acho aqueles olhos os mais azuis que já vi. Azuis ou verdes? Não confiro, porque o homem pode pensar que correspondo ao seu flerte. Que palavra antiga! Será que os jovens usam-na quando olham para alguém, com interesse, insistentemente, tantas vezes, até que tenham certeza de serem correspondidos?

Paramos em frente a um centro comercial. Pago a corrida. O motorista estende a mão com um cartão. Comenta que é seu telefone, se precisar de um táxi. Pego, agradeço e ele diz que é para o caso, também, se precisar de um amigo para tomar um vinho. Grande namorador! Olho para sua aliança e jogo o cartão no banco, dizendo-lhe para levar rosas à esposa.

O movimento é intenso. Em meio a tantos casais abraçados, pareço barata tonta vagando pelos corredores. Não sei o que faço ali. Se admitisse, diria que saí de casa com a esperança de conhecer alguém especial. Cansada, o sapato de salto alto, que uso raramente, incomoda-me. Dirijo-me à praça de alimentação para dar uma trégua aos pés e um agrado ao estomago. Sento-me, olho em volta e um susto me acelera o coração: Virgem Santa, quantas mulheres sozinhas tiveram a mesma ideia! Jesus, cadê os homens! Os mais moços, no trabalho, certamente. E os bem mais velhos, aposentados, em casa, vendo TV, na internet, adoentados ou já partiram mesmo, desta para melhor. Pasma, perco a fome. Levanto-me e saio.

No andar de baixo um casal me pede para responder uma enquete para sua agência de publicidade, que pesquisa o presente que uma mulher, na minha faixa etária, gostaria de receber no dia dos namorados. – Um namorado! Respondo e os deixo sorrindo. Penso sobre o que gostaria de ganhar e concluo que, já que namorado não vai ser, uma sandália rasteirinha, que me deixe com os dedos à vontade, será um presente dos deuses. Entro numa sapataria, sento-me, tiro os sapatos, estico as pernas como se estivesse em casa e flexiono os dedos martirizados. Como é gostosa a liberdade! Danem-se as regras sociais.

Uma voz masculina pergunta-me o que desejo e me traz à realidade. Solícito, mostra-me vários modelos. Impressão ou ele acaricia meus pés enquanto me ajuda a calçá-las? Credo, que imaginação! Porém sinto que o sangue devolve vida às minhas pernas e espanto-me com meus pensamentos. Pago, saio e volto a cabeça para olhar o funcionário: minhas dúvidas se confirmam vendo seu olhar maroto. À noite ele terá divertidas histórias e muitas fanfarronices para contar aos amigos.

Já não aguento andar e não quero voltar para casa. Entro numa das salas de cinema. É cedo para a primeira sessão, mas estão abertas. Compro chocolate e pipoca, acomodo-me num ótimo lugar, recosto a cabeça e fecho os olhos. Alguém toca meus ombros. Olho para trás e um senhor pergunta-me se pode sentar-se ao meu lado, para conversarmos. Não respondo. Ele insiste. Diz que faltam uns quinze minutos para iniciar o filme e que podemos passar o tempo nos conhecendo. Sem esperar resposta, dá a volta, quase se joga no assento e antes que eu reclame, diz sorrindo, mostrando bonitos dentes: - Hoje desisti de esperar a morte em casa. Decidi sair e arrumar uma namorada.

A “cantada” é diferente, mas um tanto mórbida. Olho-o com o rabo dos olhos e deduzo que não parece ser um tipo mulherengo. Vá saber! Deve ter entre setenta e oitenta anos. Maliciosa, me questiono se ele ainda namora.
O homem pede que eu fale alguma coisa. Corto o silêncio:
- Casado?
- Não!
- Mentiroso?
- Não! E você, o que faz aqui hoje?
- Vim comprar uma sandália – E mostro meus pés.
- Mentirosa? – Não respondo.
Rimos muito e nos apresentamos.

(Será mera coincidência qualquer semelhança da vida de alguém com este conto)
 
O sumiço do Santo casamenteiro

Burlado

 
Burlado
 
João e Venceslau são dois amigos da pesada, que trocaram o tabuleiro de damas por um jogo virtual. Não é o jogo da baleia azul, mas um jogo que pede uma pílula azul.
Venceslau, o mais moderninho, beirando os oitenta anos de idade, foi o primeiro a entrar na era digital. Ganhou de presente do filho um aparelho celular e com o neto adolescente aprendeu a usá-lo.
João todo animado passava as tardes com o amigo em sites e chats que faziam o peru despertar.
Quando o neto do amigo ofereceu seu celular usado por um preço baratinho, João não pensou duas vezes, apesar da avareza, tirou parte da aposentadoria do bolso e com seu novo investimento foi se aventurar.
Chegando em casa trancou-se no quarto, satisfeito para brincar. A esposa e a filha estranharam, mas nada falaram.
O idoso ligou o aparelho, mexeu para todo lado e nada de acertar, desapontado perguntou para filha como fazia para ler o jornal no celular.
A moça explicou-lhe: -Painho, aqui não tem internet, nem wifi, em casa funciona como um celular normal.
-Eu mato, juro que mato o neto do Venceslau.
 
Burlado

ANDANDO NA CHUVA

 
ANDANDO NA CHUVA
 
Hoje, vendo a chuva se armar acima do meu telhado, e de paciência curta como eu estava, sem novidades, sem emoções, me propus a tomar banho naquele temporal que prometia ser de muita água. Então, quem sabe na espera de um milagre imaginei que a água vinda do céu poderia ser mais “santa” do que a que sai do meu chuveiro, e aí, eu poderia me sentir “outra” depois da lavança.

Quando vi pela vidraça que a chuva estava forte e caía sem piedade, saí para a rua, e deixei então a água ir encharcando cada peça de roupa. Era muita água, e achei ótimo, assim, não ficaria molhada pelas metades. No princípio achei estranho, mas depois fui me entregando à água que logo tomou conta.

E os pingos vieram fortes, machucavam minha pele cansada. E caminhei pelas ruas debaixo daquele “toró” e, quando a água chegou as minhas partes intimas, pensei comigo: agora vai começar o processo de expurgação, mas sei que era apenas a vontade, na realidade, o que estava abrigado e quentinho por baixo das minhas roupas, foi recebendo aquela água gélida e me deixando em arrepios.

Era tanta água que mal eu abria os olhos, e pensei: “seria ótimo se pelos bueiros da rua a água pudesse levar minhas tantas contas, desavenças, rugas e até minha celulite cruel...”
Tinha esquecido que estava com meus tênis novos, e meu Deus! Quanta lama! Eles só poderiam ir pelo bueiro abaixo também...

Mas, não me deixei levar pelo aspecto em que me encontrava, tentava eu ser poética, romântica, despreocupada... E lá ia a água caindo...
Queria lavar bem, até meu íntimo, mesmo sentindo frio. Tinha me esquecido do cabelo ora arrumado no dia anterior, e me custado uma pequena fortuna no cabeleireiro, desmanchado estava, agora não adiantava chorar. E lá fui eu pelas ruas, cruzei com alguns garotos debaixo de seus guarda chuvas que me olharam espantados, e certamente pensaram com eles, que eu era mais uma doida.

Que mania feia as pessoas tem de achar que você tem que ser assim ou assado. Tomar banho de chuva pode ser incomum, mas a ilusão que fica é a melhor parte, porque pelo menos é de graça!
Quando os pingos foram raleando, o frio começou a tomar conta do meu corpo, e trêmula, corri pra casa, e abri a porta, passando pelo espelho do corredor, me vi, e me achei ridícula, sem falar da molhadura que deixei pelo corredor...

Fui para o banheiro tirei correndo a roupa molhada, liguei meu chuveiro bem no quentinho, e deixando a água cair, passei a sentir o calor reconfortante me molhando, me envolvendo, e assim eu disse extasiada pelo calor delicioso daquela água: santo chuveirinho!!!!
Banho de chuva só fica bonito no cinema...
 
ANDANDO NA CHUVA

"Bolsomínion" - a doença

 
Bolsomínion é uma doença causada pelo vírus #bolsonaurus rex. Este vírus é transmitido pelo mosquito "telemídianus golpistas". As pessoas com fragilidade intelectual e muita exposição à televisão e à internet, são mais propensas à contaminação. Essas pessoas são as preferidas do vírus porque, quando contagiadas, são mais resistentes e querem contagiar as outras pessoas de qualquer forma. Como elas não são hábeis com a eloquência, elas tentam contagiar pela intimidação: partem logo para a agressividade. Ai são xingamentos, insultos e força bruta.

Infelizmente a pessoa contagiada é tomada por um sentimento de ódio gratuito: não precisa ser provocada, para ela destilar seu ódio. Basta não gostar, para agredir.
Esta maldita doença se espalhou por todas as classes sociais: A, B, C, D... E não adianta ser portador de diploma de nível superior, que isso não evita de ser contagiado. Este mosquito é imune a posição social, cultura, profissão... Ele consegue infectar, do doutor ao peão.
Só está imune a este vírus, a pessoa que tem Deus no coração, que ama o próximo e que não não tem nenhum "recalque".

No próximo domingo (dia 28), haverá uma tentativa de exterminação deste vírus. Se ele lhe assusta, e se você quer ser um(a) voluntário(a), dirija-se à uma das seções do TRE e combata este vírus digitando 13, na urna eletrônica. Esperamos que a maioria da população brasileira acorde em tempo de evitar a epidemia desse vírus. Porque, se deixar o #Bolsonaurus rex vencer, será pior de que em 1964.

A.J. Cardiais
26.10.2018
 
"Bolsomínion" - a doença

Ouvidos na Contramão

 
Essa é bem recente, aconteceu esse ano, no aniversario de 50 anos do meu cunhado, Betão. Dessa vez meu pai foi a vítima.
A aproximadamente dois anos atrás, subitamente meu pai perdeu a audição do lado esquerdo. Infelizmente, os médicos disseram que era irreversível. Mas apesar do susto e dos problemas para se adaptar a nova condição, meu pai, por fim, encarou o fato com humor: as vezes brinca, dizendo que foi por causa de um Viagra que ele tomou e que acabou deixando permanentemente o tímpano duro. Também conta alguns fatos engraçados que aconteceram por causa disso, principalmente no começo, até se adaptar um pouco, muitos por não conseguir identificar da onde vinha o som. De vez em quando, atendia o telefone do lado que não ouvia e insistia pra que falassem, às vezes ficava bravo achando que era trote.
Naquele dia, estávamos na festa já a um bom tempo, eu e meu pai já havíamos tomado algumas e mais um pouco, quando chegou o irmão mais velho do meu cunhado, o Neto. Ele chegou um pouco mais "alto", já bem perto de Bagdá, e sentou com a gente. Acontece que ele também tem problemas de audição, só que mais grave, ele usa um aparelho do lado direito, e não ouve do lado esquerdo. Agora imaginem... Os dois meio bêbados, meio surdos, as orelhas na contramão (o Neto a esquerda, pra ele estava bem, mas ficou ruim pro meu pai), o som alto... Eta conversa difícil! Era um tal de "o quê?" pra lá, "o quê?" pra cá. Dez minutos de conversa não rendeu um (não tem a ver com o fato, mas de repente veio um pensamento. Já ouviram falar que não existe nada pior que não possa ser piorado... Imaginem se um deles fosse gago...)
Ficaram teimando se entender por mais um tempo e é claro que o rumo da conversa não podia dar noutro: cada um tentando explicar o seu problema. O Neto falando que o aparelho foi bom pra ele. Meu pai, que os médicos disseram que não tinha mais jeito... Foi quando de repente o Neto teve a "brilhante" ideia. Vejam só! O que importa a opinião dos médicos? Realmente precisamos ousar, é assim que surgem grandes descobertas na ciência: Rapidamente, ele tirou seu aparelho e foi colocando no ouvido direito do meu pai. Não adiantou tentar dizer que naquele ouvido meu pai escutava perfeitamente, que se era pra fazer um teste tinha que ser no outro, ele não estava ouvindo nada. Tentei indicar, apontando o outro ouvido, mais ele fez que "não" com o dedo. Parece que o aparelho só encaixava do lado direito. E colocou o aparelho no meu pai... Como o aparelho amplifica bastante o som, a reação do meu pai foi tentar se esquivar, fazendo logo um "joia" confirmando que estava ouvindo. O neto tirou o aparelho, colocou novamente em seu ouvido e com ar de Doutor foi logo falando:
- Não disse! O senhor escutou. Acho que um desses vai dar certo pro senhor.
Coitado! Ele só não entendeu porque todo mundo ali ria tanto. Nem tentamos mais explicar.
 
Ouvidos na Contramão

Pai da Malta

 
Pai da Malta descansava o tédio no cajado, homem super-ocupado entre o pastoreio e a dura e árdua tarefa de fazer filhos para atestar a masculinidade. De repente, os seus olhos fixaram-se no rebanho que, tal como ele, sofria de stress laboral, soltando, de volta e meia, méee…sss, acompanhados à percussão pelos guizos que lhes afeitavam o pescoço e avisavam no caso de alguma ovelha tresmalhar do ajuntamento, de tão treinado que o seu ouvido estava e também por nunca ter furado nenhum tímpano, já que não era dado a noitadas e a músicas, coisa que lhe confundia os miolos. Os serões cumpria-os ele em família e já se sabe a fazer o quê.
De repente, como que sacudido pelo vento, único que ousara, alguma vez, perturbar os seus filosóficos pensamentos, num monólogo, único discurso que lhe era permitido, já que as ovelhas não estavam interessadas em dialogar com ele, balbuciou entre dentes:
- Que diacho! Daqui a pouco a catraia mais nova faz 6 meses e eu ainda não fui à vila registá-la. Amanhã, sem falta, mal rompa a aurora, ponho pernas a caminho e o meu Manel que tome conta do gado. O que faz isto é um tipo estar sempre tão ocupado!
Lembrando-se da janta, com as tripas a roncar, lá foi enxutando o gado que se arrastava pachorrentemente à sua frente, provocando uma nuvem de pó, que a sua Mariete avistava ao longe, sinal que estava na hora de pôr a mesa.
Chegou a casa e perguntou à mulher:
- Oh Mariete o que é a janta, mulher?
Esta, limpando as mãos ao avental, retorquiu, entre dentes, que a ementa não era lá aquele manjar:
- Uma sopa de pão com caldo de nabos e viva o velho!
Pai da Malta informou que, no dia seguinte, iria à vila registar a catraia e não quis palpites quanto ao nome a dar ao seu último rebento, porque há coisas que quem manda é quem fez a encomenda.
Chegado ao registo civil, Pai da Malta, homem de muita educação e respeito, tirou o chapéu à entrada e revirando os bigodes farfalhudos, tesos de falta de água e sabão, fez-se anunciar pelo odor a gado ovino e pelo pisar das botas cujos tacões gastos mais pareciam umas ferraduras.
Ajeitou a compostura e lá se dirigiu ao balcão com o chapéu na mão para lhe dar uma certa confiança, posto o que se esforçou por explicar ao que veio:
- Bom dia, menina! Venho dar o nome a uma catraia que nasceu ontem.
A funcionária olhou para ele de soslaio e habituada que estava aos registos tardios das crianças da aldeia vizinha, perguntou-lhe:
- Quer então dizer que é uma menina, como se vai então chamar?
Pai da Malta ruminou por alguns segundos nos seus pensamentos e respondeu abruptamente:
- Prante-lhe Ana!
A funcionária do registo respondeu que esse nome não constava da lista de nomes autorizados pelo Arquivo de Identificação Nacional e pediu-lhe que escolhesse outro.
Pai da Malta sem tempo para reflectir, se bem cogitou, melhor se precipitou:
- Pode ser Natália que é o nome da minha cunhada, que é uma gaja boa. Até porque, a bem dizer, eu gosto muito mais dela do que da minha mulher!

Incorpora a Antologia "Contos Cardeais" da Editora Mosaico de Palavras.



Maria Fernanda Reis Esteves
49 anos
Natural: Setúbal
Email: nandaesteves@sapo.pt
 
Pai da Malta

uma escolha dificil...

 
Uma escolha difícil…

Nem há muito tempo um homem corria atrás da sua mulher tinha-lhe fugido o cão e a pobre mulher, assustada tinha partido à procura do seu Mondego, o cão.
O cão era um pastor alemão criado desde muito pequenino, se calhar desde que nasceu, mas ao certo nem sei…Eu sou só a vizinha do lado!
Não costumo entrar na vida das pessoas sem perguntar pelo menos o nome. Eles nem o meu sabem….
Como dizia à pouco o homem, o senhor Amâncio era agricultor, era pacato, barrigudo e gostava da pinga…cabelos castanhos e olhos a condizer tinha um pequeno defeito, falava muito alto, um pouco mais baixo do que a mulher, D. Maria de Afonso Corte Real, nome que lhe fora dado com distinção quando a família de seu pai, D. Afonso Real de Almeida, tinha um pequeno império.
Corria como um desalmado atrás da pobre mulher, esta por sua vez sempre atarefada, nunca se habituou lá muito bem aos costumes da terra. Viviam perto de uma Vila chamava a Cova do Monte, sinceramente não se sabe onde arranjaram este nome…Há lá cada nome em Portugal! E o homem lá desesperado pára um pouco para descansar, faltou o bafo, como um porco senta-te em cima de uma pedra e diz;
-Raio de cão, anda a gente a ensinar o cão a falar, a portar-se como gente, que nem gente o raio de cão foge a sete pés! Até parece que viu um fantasma. – O senhor Amâncio respira fundo para retomar o seu percurso, as pernas pesam. O seu corpo pequeno não parece ter forças, apoia-se sobre um pau e lá se levanta.
Mas de repente lá se lembrou…

- Raio! Porque ando eu atrás do cão e da minha mulher! A minha mulher faz-me falta o cão esse já não sei.
Durante uns minutos hesitou se deveria ou não continuar a sua busca até que se lembrou de algo muito importante.
A D. Amélia ficou de passar lá pela quinta, ia buscar umas batatas, cenouras e algumas pencas e o mais importante era que ela deixasse a garrafinha do costume. Um bom vinho caseiro, mesmo ao gosto do senhor Amâncio, acho que é uma das coisas que ele adora, beber, assim pode sempre falar o que quiser, com quem quiser e onde quiser. A verdade sai-lhe e muitas vezes eu bem ouvia em alto e em bom som, quando algum fornecedor vinha reclamar os pagamentos em atraso;
- Raio! Vocês querem todos que vos paguem, mas eu para vos pagar tenho de vender primeiro!
Enfurecido com ele próprio, entornava mais um copito e até fazia questão de cantar.
- Raio! Com um Raio já nem sei pensar direito…voltem cá noutro dia.
E que remédio o homem lá ia embora sem um tostão no bolso, de mãos e cabeça a abanar, as vezes penso o que pensaram estes homens vão lá para receber e no fundo parecem que tem de ser eles a pagar.

Iolanda Neiva
 
uma escolha dificil...