Promessa de outono
Combinemos o preâmbulo, pouco ético, entre a chuva e a terra molhada deste outono. Na verdade, todo ele será poético, uma vez que se sente o aroma das madressilvas impregnado do hálito de Pã, enquanto Chronos converte o tempo em fénix renascida. Sabemos que, enquanto houver uma romã, os lábios serão o alvo frágil do mosto proposto por Baco. E que as uvas amadurecem a inquietação no sangue, e os trovões obrigam o céu a relampejar incessantemente perante as letras do nosso dicionário. Tudo o que observamos tem a forma de uma castanha ainda refugiada no seu ouriço, com o receio do contágio das gotículas que caem nas folhas abertas às cores do arco-íris. Também elas caem agora, perante as propostas indecentes de Éolo, murmurando a ladainha do vento que arrepia a alma, trazendo consigo o mesmo olhar e o presságio do doce de abóbora que combate as desilusões espalhadas pelo chão. O único consolo são as vidraças da janela, de olhos marejados pela chuva e encantados com o arrulho das pombas no fio dos telefones, apesar do pranto dos céus. Na certeza, porém, de que o Oráculo da natureza será preservado enquanto as minhas mãos puderem escrever uma única palavra de apreço ao prazer de beber um chocolate quente. Não existe caudal mais lindo e puro do que esse preâmbulo aberto às palavras de um poema por nascer…uma promessa!
lembranças, madeira que não quer arder
perdemo-nos nos anos
pensar que os dias da velhice
seriam venturosos
foi o último dos enganos,
quietos, dormitam silenciosos.
mas é bom envelhecer
com alguma claridade,
a vida é densidade
e a velhice é saudade.
hoje o dia trouxe uma luz cinzenta
agora o vento grita ao portão
na lareira há teias de aranhas mortas
que ele tenta, mas em vão!
está o batente da porta quebrado
e as traves do tecto carcomidas
o fogo da cozinha pequena, apagado,
e sombras por todo o lado
de quem perdeu as vidas.
um banco ali na esquina
fixamente a olhar-me
- és tu aquela menina
de quem estou a lembrar-me?
sento-me sem vacilar
sem outra força que meu passo incerto
extrema solidão por perto
e a palavra saudade no coração a pesar
olho os muros antigos
um dia não longínquo, visito amigos
coisas da alma, já não brota
nem arde a vida
só na lembrança ainda sou criança
em pouco, chega a hora da partida.
natalia nuno
rosaofogo
Amor ao vento
Por entre os fios ténues do vento,
Da brisa que escorrega cada linha de meus cabelos,
Voa para ti, de mim um livre pensamento,
Do que contive no meu génio sobre o sentimento,
Que late por um olhar que fere o corpo inteiro…
A alma sugada assim pelo tormento,
No vórtice do sonho de que ainda sinto o cheiro,
Embato de volta com o vento,
Que na sua tempestade leva de mim o sofrimento,
Nem que seja no momento, sinto a leveza presente…
Amordaçada de vida, de calma e de nada,
Contida na Pandora, sendo a única que me entende,
Abraço o génio espelhado no Lago, nesta madrugada,
Solto o suspiro que não está preso a nada,
Mergulho na água, por mim enamorada!
E nisto continua lá fora, o riso do vento,
Como se dele eu me tratasse, sua amada…
Que me retira e devolve o tormento,
Como a quem oferece o Outono a uma Fada,
Este empurra, ama e agarra…
Ouço-o a rir lá fora,
Chama ainda o meu nome…
O vento!
Marlene
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O vento acompanha-me nas palavras...
Aurora
Hoje assumi o silêncio
que a boca moveu
sem palavra.
Pousei a borboleta inquieta
do ouvido no vento
que passava e escutei.
Era o roçagar de asas
da brisa que brincava
no pensamento lúcido
enquanto se aproximava
a aurora de luz.
Nada sei
O que sou? Não sou nada
Sou menina, sou poeta
Sou nuvem inquieta
Nada sei, não sou profeta.
Sou a chuva, sou o vento
Não sou nada
Nada sei, não sou rei
Nem rainha, ou namorada.
O que sou? Sou maré em movimento
A água feito cascata
O que sou eu não invento
Embaralhando jogando as cartas.
Nereida
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Som do Vento
Som do Vento
by Betha M. Costa
O som profano e barulhento do vento,
O meu silencio e dor não consome,
Castelos nas nuvens eu invento,
Para o amado Homem sem nome.
Ainda que nos braços outro me tome,
E a mim seja ele tão santo e atento,
O som profano e barulhento do vento,
O meu silencio e dor não consome...
Saudade é um sentimento cinzento,
Que ao coração causa grande fome,
Na paleta das cores é um elemento,
Incapaz de alegrar a quem ame,
O som profano e barulhento do vento...
Carta aos afagos do Vento
Minha Querida,
Encurvo-me perante o silêncio do mar.
Olho para o horizonte e entrego-me à linha do destino.
Por vezes, a geografia é uma esquina escondida. Pensei que desta não o fosse.
Mas a distancia existe. Eu, aqui! Tu, aí!
Talvez um dia nos seja favorável. Talvez?
Penso nas tuas palavras. Permanentemente!
Dizes que há demasiado sentir nas minhas linhas.
É natural! Faço amor com as palavras. É por elas que expresso o meu desejo e o meu querer.
Faço-o com toda a plenitude da minha livre vontade. Faço-o porque me sinto correspondido.
Não posso ansiar pelo teu abraço? Ou por descansar no teu peito?
Nem vale a pena dizer que não porque não o consigo impedir.
Sim. Eu sei que as circunstâncias são distintas. Mas sê-lo-ão para sempre? E mesmo que assim aconteça quer isso dizer que não sentimos o que sentimos? Quer isso dizer que os momentos que temos não foram intensamente sentidos?
Ah! Há alturas em que apenas nós somos. Tudo o resto jorra da nossa origem!
Contudo, também há, realmente, a possibilidade de abrandar.
Se te for necessário, jamais imporei a minha vontade. Mas as cores não voltarão a ser as mesmas nem nós voltaremos a ser iguais.
O que nos faz, toca-nos profundamente. Tanto que abala as colunas da existência pelo reconhecimento do que já houve. É o antigo que chama por nós! E eu ouço esse canto.
Falaste-me em lágrimas no chão. Recordas?
Respondi-te que as tuas lágrimas tinham era caído no meu coração, onde as tinha recebido e guardado por serem manifestações do teu amor. Recordas?
Pois as tuas lágrimas já são um oceano de sentir no meu coração. E o tempo fará delas um universo. Porque eu vou ama-las e acarinha-las. Porque nelas também quero ser.
Só assim criaremos o, e no, MULTIVERSO.
Encurvo-me perante o silêncio do mar.
Venho aqui à procura dos afagos do vento. É por eles que sinto os teus beijos.
E peço-lhes, humildemente, que levem os meus até ti.
Sempre,
V.
in Comentários na face da Noite
Entre mim e o vento
Entre mim e o vento
mais do que um acordo...
a cumplicidade andarilha,
a sabedoria ancestral
de alguém, sem idade,
mas que não se tem
sobre um pedestal
Entre mim e o vento
o compromisso, a promessa
ele carrega a poeira,
o lixo da minha alma
e leva-os para longe
para as dunas dum tempo
que se esgueira da vida
que ainda me resta
e às vezes me esqueço
que fiz merecida
Entre mim e o vento
mais do que a alergia
às coisas mundanas
ele transporta o sonho
que me dá alento
e transforma em poesia
o que poderia ser ...
apenas um lamento
Maria Fernanda Reis Esteves
52 anos
natural: Setúbal
“Vento peregrino”
O gemido da noite nas frias madrugadas
Acordam a tormenta que a alma abriga
Sentimento alado, emoções sem vagas
Laçam-me o coração, pondo - me perdida
Então decido vagar por tudo o que sei
Flutuo em transe, deixando-me seduzir
Em perfumados risos meu silencio calei
No cheiro de manhãs com gosto de porvir
O canto etéreo do vento parece entender
O apelo suplicante, profundo do coração
Que no manancial de cores quer se perder
Caçando tantos sons peregrinos, nos vãos
Acordo com a voz quente que causa arrepio...
Adormeço na boca que adoça e me põe no cio.
Glória Salles
Grata pela gentil visita.
No meu cantinho...
Barco de papel
Quando me olhas
caio em tentação
no abismo do teu olhar
perigo,côncava da mão
Calo as palavras
os dedos abrem-se
não consigo controlá-las
algemadas aos pulsos de memórias
soltam-se,sabem-se
Qual rio
correm desalmadas
desfazem-se no foz do teu mar
agarradas ao coçar do vento
nas águas solitárias
barco de papel contra o vento a remar