Está na hora
O mundo é mais belo pela madrugada
Quando os pássaros já voam e o Homem ainda sonha
Quando o Sol arrependido devolve ao mundo a sua cor
Mas é breve o instante
Ao longe o caos vai trepidando
Seus passos, lentos, se apressando
Sem pressas, louco, atropelando
Com tempo, pouco, reclamando
Às portas da demora:
Está na hora...
Está na hora...
Está na...
E eu vou, já vou, só mais um pouco
O teu cheiro travestido é travesseiro
Onde encosto o meu rosto entorpecido
Onde me entrego à lembrança por inteiro
E pelos campos da lembrança vou perdido
E perdido te acho
Toco-te ao de leve a face
Fito os lábios vincados num sorriso
E me curvo em ti
Não me soltes deste abraço
Não me deixes só
Não me deixes nesta hora
Pois eu sei que está na hora
E tu bem sabes, está na hora
Que é só esta, está na hora
A nossa hora, está na hora
Agora, está na hora
Agora, está na hora
Agora, está na hora
Ago...
Tempo
Tudo já aconteceu,
Pois acontece e acontecerá
No mesmo tempo
Todo o fluxo já passou
E ainda passa e passará
Neste exato momento.
Toda a hora sempre chega
Porque já passou.
Por isso, somos agoirentos.
O tempo é um rio parado
Embora haja tanta gente
Afogada e sem alento.
E, mesmo estático,
Vivemos ardentes
Em meio a tantos tormentos,
Porque, mesmo parado,
Vivemos na aparência
De discursos e argumentos,
Na ilusão de calendários,
Dias, anos e minutos
Em meio a sonhos e dezembros,
Porque, mesmo cumpridos
Seu destino e fado,
De nada sabemos.
E o que há somente
É a luz que dilata
Distâncias e comprimentos,
Tudo o que vemos
É o para além dos nossos olhos
Do chão ao firmamento.
Assim não o sentimos
Como insensível cristal,
Mas como nosso tegumento,
Por isso não o sentimos
Como massa inerte de gelo,
Mas torrente ardente de tempo,
Ou, mesmo parado,
Como solo livre do sólido,
Pântano lutulento
Onde afundamos,
Onde morremos e nascemos
Na ilusão dos fragmentos,
Porque o tempo é um todo,
Rio sem fluxo ou corrente,
Congelado movimento,
Aquilo que muitos confundem
Com a existência
De algum ser eterno e supremo.
Tempo vagabundo
Com a impotência algemada à alma
e as mãos calejadas de acariciar
o vazio do eco arquejante
lavro na pedra barrenta
do destino
um outro olhar,
um outro caminhar
Com a firmeza de um sem abrigo
semeio na alma as flores do desejo
desse desejo que me faz crente
e na berma da estrada
visto-me
dos minutos e das horas do tempo,
desse tempo
sem tempo p`ra mim
A impotência permanece
na ardência da alma nua
e num impulso de puro
atrevimento
exijo ao vagabundo do tempo
um milésimo de tempo
por fim
Escrito a 30/12/09
Que me importa?!
QUE ME IMPORTA?!
Que me importa que seja tarde?
Que esteja à mercê da vida
A mercê da saudade?!
Que me importa que me achem louca varrida?
Ando à mercê!
Deste tempo que me deprime, me faz sofrer
Aqui, onde anoitece e só eu vejo, ninguém mais vê
Aqui onde a esperança já não quer acender.
As horas vão passando!
E eu no assento me remexendo
Nesta viagem louca, mansamente caminhando
Ou dando caminho à Vida e nela me perdendo.
A quem importa se trago o coração cheio ou vazio?!
A quem importa que a noite que adensa me traga frio?
Que me importa se as lágrimas que chorei secaram
Ou se me esquecem até os que me amaram?!
A Vida quebrei! Estilhacei!
Quero lá saber se os cacos juntarei...
Ou voltarei a juntar!
Se ninguém vai saber, nem perguntar.
Cerro os dentes, calo a voz
Só eu e a melancolia no portal da minha porta,
esta me faz companhia, se senta comigo,
Estamos sós!
A Vida nos pôs de castigo.
Não me importa, já nada me importa.
Na garganta me ardem os gritos
Sufocados, p'la solidão desesperados
Já lhes ouço o eco, dentro de mim aflitos
Que me importa? Pois que fiquem também eles a um soluço confinados.
rosafogo
Até quando?
Quero sentir a areia espumosa
nos meus pés jungidos a ti,
a chuva entranhar-se
nos nossos poros ressequidos,
escorrendo de mansinho em mim,
do outro lado de ti,
sentir a vertigem estonteante da noite
depois do inerte entardecer,
diluir-me nas chispas flamejantes do teu olhar
que me privas de o ver
Quero sentir o abraço espinhoso do roseiral em flor
num delírio invernal
e o beijo petalado da flor por desabrochar
em toques aveludados de prazer
Quero… quero… e só tenho, tudo de nada
que prevalece na poeira de nós,
vagueando sem bússola,
mais além
num tempo de ninguém
Até quando?
Escrito a 11/11/09
P'ra mim que me perdi
P'RA MIM QUE ME PERDI
Voam os anos, subtraem-me os dias
Meus sonhos são agora inutilidade
Palavras velhas são minhas companhias
Tão velhas impregnadas de saudade.
Sinto a vida que me foge, fico amarga
Sento-me no meu tempo inventado
P'ra ver se esta dor me larga
E me deixa o dia de ilusões dourado.
Sempre o tempo a espiar-me!
Porquê este tempo a ameaçar-me?!
Deixo os cotovelos pregados à mesa
Murcha meu rosto em ânsias que explicar não sei
Afogo as horas nesta tristeza
E corro atrás de sonhos que já sonhei.
Dobro o jornal ponho de lado
Nem ler, nem escrecer me apetece hoje
É como se me tivessem as mãos amputado
Pendida a reviver a vida me foge.
Eu hoje sou nada!
E o nada não se vence!
Deixo esta queixa derramada
Meu crepúsculo jà à noite pertence.
rosafogo
sem pretender asas para voos derrotados.
fez-se capa
o vazio
aderiu-se aos sentidos
como um tecido disforme
em pretensão
sono em asas
sedutoras de sonhos
rumo ao infinito
da ilusão
em livre
queda
queda
em rumores apodrecidos do tempo
lá fora um som longínquo
desliza nas pústulas
das horas adoecidas.
há zumbidos
redemoinhos de pós
cadavéricos do mundo
juntas
seivas repugnantes transbordam
das podas dos jardineiros...
antes do debuto
tantas flores mortas
o que farão as borboletas
nessas primaveras de sangue?
encolho-me
protegida e apertada
em uma morada
sem cor
casulo
(me)
Uma Questão de... Tempo
..
Uma Questão de... Tempo
Afogo a dor involuntária
trocando lágrimas por um trago
do teu whisky preferido...
sabor enriquecido pelas datas
-épocas dos nossos elos doirados!
brilhos, reflexos multicor em nossas mãos
- juradas e assinadas, cumpridas!
nos apelidos trocados, permutados
dias que são de nós, paternidade!
ó terna e doce imagem
que és corpo musical, real!
e
adormeço nos teus braços,
ó meu destino! tentando compreender
onde queres me levar
assim de mãos tão apertadas
com este andar
ora lento, ora apressado
o que há nesse teu relógio
de cordas tão descompassadas?
por que é que o teu ponteiro
sempre busca uma razão?
se és dono do tempo
- meu e teu -
por que esse medo,
por que esse tic-tac tão ateu?
és menino e Imperador
és atemporal
e também jaz no tempo...
E não há número mais poético
nem livro mais virgem
do que …
o teu dia questionando
o eu … de teu:
- quem és afinal?
nessa hora...
todas as horas???
(um pássaro de mil e uma luzes
em milhares de movimentos harmoniosos
difundindo holografias
no aroma matrimonial das doze noites…)
(
abrindo
fechando
)
o símbolo
(?)
Jo e Dan, dueto, 070920142025
Távola de Estrelas
O maior inimigo das artes
A arte, qualquer que seja, é incompatível com a pressa. Os nossos tempos elegeram o maior inimigo das artes, a velocidade, como vector determinante, de tal modo que o que quer que seja que não seja veloz, passa ao lado, passe a expressão, não merece que se "perca" tempo. É assim, mormente, desde que o tempo passou a significar, ou a ser considerado, e não apenas a valer, materialmente, dinheiro "Time is money".
Até o pensamento, se não for rápido, que fosse. Ninguém espera por um pensamento ou uma ideia. Tudo tem de estar preparado e embalado. Pré-fabricado.
Com o tempo dinheiro, também o espaço sofreu uma incrível contracção.
Mas tudo se agravou mais para as artes e as contemplações.
E para as plantas, que parece que não crescem e não podem voar, senão quando um vendaval as arranca e as transporta para algum chão em que, por sorte, criem raízes.
Uma vida já não se mede em dias, meses ou anos, mas em quantidade de moeda equivalente ao tempo "gasto" para a sustentar, que é considerado "perdido" se não der retorno.
E é assim tanto com a vida dos bichos, como com a vida das pessoas.
Criar riqueza hoje tem um significado muito retorcido. Um incendiário pode ser um criador de riqueza. E um consumidor de combustíveis também, assim como um vírus mortífero.
Apesar do entardecer
APESAR DO ENTARDECER
Repito recordações vezes sem conta,
e o peito me dói
Fugaz como um sonho o tempo se foi.
O tempo que passou assim...
Vou ficar tranquila, serena,
sem pena de mim!
Não vou falar das incertezas que sinto
Aqui no final de todos os finais
O meu céu é já indistinto.
Meu sonho a vida pisou demais.
Aqui o meu grito já chega confuso
A vida passou como uma enxurrada
O tempo se apoderou dela como intruso
Um pássaro predador que passa e não deixa nada!
O pensamento em estardalhaço me põe a tremer
Nele sinto o rufar de tantos tambores
Às vezes apenas o gemido, dum bicho qualquer
Que ferido se deixa arrastar de dores.
Hoje me deixo completamente absorvida
Dialógo com as minhas vidraças
Dentro deste velho peito reconforto a Vida
Apesar do entardecer... esqueço as ameaças.
rosafogo