INESPERADA VISITA
INESPERADA VISITA
Se bem penso, nem só para o amor, o eufórico, o lúdico, o humorístico, o sensual mais ou menos ousado, existe este site. Também nele há ou deve haver lugar, assim julgo para a alusão – já que de canto não é fácil nele honra-lo – para o profundamente sofrido, já que a dor é inerente à humana condição. Por isso que ninguém se escandalize por uma curta viagem pelo patético da vida.
O tema que nesta hora acorda em mim mexe com o mais profundo da raiz humana, rasgando em lúgubre transversal toda a sua natureza, enraizando no corpo e volatilizando-se no espírito. È patético - repetimo-lo - o tema, mas ao mesmo tempo arrebatador, na medida em que interfere, integral, nas profundas do nosso ser. Há um certo pudor, não sei bem se medo, um certo respeito – não sei se é o termo correcto - por o leitor. Mas uma réstia de coragem ou ousadia, ou despudor, desafia-me a abrir e com determinação a porta e a entrar com desassombro na matéria que hoje – não sei se por estar um dia de acentuada intempérie me sinto desafiado a abordar.
Sem me considerar poeta, ouso defender que considero o assunto rotundamente susceptível de ser tocado, porventura cantado.
Era um imenso e aparente relvado com árvores que até davam fruto, de premeio. Ao centro uma pequena colina da qual se dominava o verde prado. Fomos para ali conduzidos num anúncio de surpresa da guia do grupo já que identificar a visita poderia ser desestimulador para alguns. Uma vez postados na colina, espraiado o olhar pela distância como quem busca apetitosa novidade, os nossos olhos vão-se aproximando das imediações da colina e é então que se apercebem da natureza do lugar. Aqui e além, mas como por inusitada magia cada vez mais próximas, uma e outra e depois outra e, afinal, um sem fim de cruzes a salpicarem o relvado. Aqui, além e mais além, uma simples flor. Está desfeito o mistério. É um cemitério, não à maneira dos nossos.
Ali tudo era simples, igual, não havia distinção de classes. Os que ali repousavam tinham a mesma idade, mais ano menos ano (dezanove a vinte e um anos) e para ali foram levados numa mesma época, a da brutal segunda grande guerra. Eram militares alemães os que ali jaziam, aqueles cujos corpos jovens foram entregues há cerca de sessenta anos às leis implacáveis da terra-mãe. Sim por estranho que possa parecer e explicação não nos foi dada e também não a descortino, eram militares alemães. Isto em terras da Normandia, terras da nação Francesa, naturais inimigos da nação Alemã. Perpassou por mim e decerto por outros, um acolhedor sentir, quase ternurento. Surpreendeu-me que fosse dada aquela dignidade a jovens militares da grande nação inimiga. Não tive lágrimas. Estas imaginei-as nos olhos daqueles que foram pais desta juventude brutalmente sacrificada na flor da idade. Neste instante escutei distante – tive essa ilusão, eu sei – uma melodia que me é profundamente cara e que me toca a alma em determinados momentos. É uma canção de Marléne Dietrich que de algum modo canta a tragédia desta guerra e lhe é contemporânea. Então os meus olhos, eles mesmos vertem lágrimas que me fazem sentir no mais esconso da alma que existe uma resposta para este drama. Os sentimentos que remanesceram em mim remeteram-me durante algum tempo a um silêncio que me fez viajar por um inexplicável mundo caldeado na dor, na violência desfeita em humanidade, numa estranha paz interior, na saudade.
Antonius