Corvo
Escrever às vezes
É um estorvo.
O quanto penou Poe
Até chegar ao O Corvo?
É vasto o céu
Assim posto,
É vasto o céu
Assim póstumo!
O quanto penou Poe?
E ele está morto!
Mas o corvo,
Com suas asas
Sobre a estátua
De Palas,
Mas o corvo
Sempre à nossa espreita,
Atrás, na frente,
À esquerda ou à direita;
Mas o corvo,
Sempre à nossa porta,
É um estorvo,
Velho, sempre novo,
Ave, Demônio
A estraçalhar-nos os sonhos,
A pousar no busto de Palas
E no meu ombro,
Negro, negro, negro
A curvar-se no meu leito.
Grasna que a morte
É para todos
E que a vida e a sorte
São nosso maior engodo,
Grasna aos quatro cantos
Como um louco.
Oh, o quanto penamos
Lendo O Corvo?
Irmão, Poe,
Ele também se foi,
Irmão, Lee,
Nunca mais o vi -
Mortos, mortos, mortos
Aos pés dos corvos!
Hoje é uma asa negra,
Deus sem trono,
A velar-me o sono,
Meu corpo que só deseja.
Nunca mais! Nunca mais!
É o agouro que nos putrefaz.
Matou-me o verso,
Negreja-o agora
O último fóton
Do universo.
Sinto-me fraco,
Amargo, travo,
Sinto-me sem espaço,
Um velho calhamaço,
Sinto uma vontade
De me matar,
De nunca mais amar,
De reescrever-me almaço,
De despojar-me
Do corpo, da carne,
De cortar-me o braço
E dormir, velando-me,
Para curar-me de tanto
Medo e cansaço.
Oh, o quanto nos alertou
O grito do Grou
Antes que nos viesse o Corvo
Aos umbrais após o voo?!
Este poema foi escrito inspirado no clássico O corvo de Edgar Allan Poe.
Intensa tinta
Com intensa tinta
o espírito pinta.
Sou a tinta desta folha,
Onde não verbaliza e tudo olha,
Sou as letras, as palavras, as frases,
Sou o poema em si, sou todas as fases:
Sou a tristeza, a alegria, a vida, a morte (…)
Sou tudo o que realmente sinto;
Quando canto sinto que a vida é mais forte,
E se não for assim, sinto-me presa num labirinto,
Onde me perco, mas canto e rapidamente,
Rapidamente encontro-me.
Quando escrevo sinto que sou a tinta;
E desenho a minha alma como realmente é,
Sou tudo isto mais o pássaro que me vê;
O meu versejar é o sangue seco, gravado a tinta,
E é toda a minha chama.
Inevitavelmente é o meu sangue que te ama,
Esteja ele seco ou a correr pelas minhas veias.
Ana Carina Osório Relvas/A.C.O.R
https://acor13.blogspot.com/2018/03/11 ... nsa-tinta-o-espirito.html
CARVALHO
Sou um corpo pesado um verme
Roubado do ventre de minha mãe
Presa nos pátios vazios da saudade
Os meus braços, as minhas mãos
São madeira repleta de vermes
Madeira das lajes dos mortos
Entre as flores de um descanso
No silêncio de um carvalho
Onde ninguém me pode ouvir
Rasgo a minha carne queimo
Os olhos para me sentir livre
Mordo a minha própria carne
Num mudo grito com os lábios
Costurados de dor, boca que
Mastigada satiricamente a carne
Madeira talhada com a sentença
Rasgando o meu coração com raiva
Madeira de uma laje no silêncio
Feita em madeira de um belo carvalho
Sente-se o cheiro forte do enxofre
De morte misturado com as frescas flores
É um cheiro muito amargo de saudade
Feitas com rendas antigas e seda selvagem.
Mia Rimofo
Sobre o Que Aprendi da Vida
Sobre o Que Aprendi da Vida
by Betha Mendonça
O que aprendi da vida ela não me ensinou. Aprendi de ver, sentir, cheirar, tocar... Através do desbotar das cores lavadas pelas lágrimas e da pintura a óleo e ar do sorriso. Não a vida não me ensinou nada: eu que aprendi na marra e no murro! No viver em cima da navalha, no corte com sangue e nas cicatrizes indeléveis. Nos caminhos e atalhos dos pensamentos. Nos momentos que não vivi, mas sonhei. Nos que vivi e foram pesadelos.
Não, não me digam nem perguntem da vida! Porque ela nunca me teve. Eu que a tive a meu modo esquisito de levá-la na dança, neste baile deslumbrante, cheio de prazeres em voos de trocas de pernas. Nos saltos a riscar o chão. Nos tropeços e pisar de pés sem tempo de tomar chá de cadeira. Aproveitá-lo até que o salão fique escuro sem nenhum ruído. Até que o silêncio cubra tudo com seu manto de veludo roxo, sob um véu branco, abaixo do tampo de vidro rodeado de madeira.
Na calada da noite
NA CALADA DA NOITE
Esgueiro-me na noite, calada.
Meus olhos voltados para o céu
Trago em mim a morte atrelada
Nem me deixa saborear o que ainda é meu.
Neste Outono da minha ternura
Meu silêncio vem envenenar
O sono desperta e a noite é escura.
E eu apenas quero a Vida amar!
Já a saudade me roía
Eu a querer ir sempre mais além
Mas com estas velhas asas como podia?!
Sentei-me na noite como quem espera alguém.
Assim parados ficam meus anseios
O que se agita, se ouve, apenas o vento
Passam por mim devaneios
Num emaranhado enternecimento,
onde crescem flores e nascem sorrisos,
e aparecem novos sonhos sem avisos.
Nesta noite, perfume as rosas me dão
Já nem necessito olhar as estrelas
Arranjei modo de entender meu coração
Fantasias, loucuras, deixo-me a tecê-las.
rosafogo
EXATAS INCERTEZAS
EXATAS INCERTEZAS
Pudesse morrer
Agora o faria...
Mas as incertezas
Dos caminhos da vida
Impedem-no...
Desorientam, obscenos,
Seus plenos
Desejos de fim
Não é medo
É, mais, impotência
Não é ignorância,
Pelo contrário.
É a clarividência
Do engôdo...
O VOO 447
Infelizmente, mais um acidente de avião veio colher muitas vidas e ensombrar a felicidade de muitas famílias.
Sabendo-se que o transporte aéreo é um dos mais seguros, não está ao abrigo total de muitas incidências, como neste caso perece ter sido o caso.
Vejo as imagens na TV e oiço os responsáveis tentarem por todos os meios, que não sei se são os melhores, darem uma explicação para este acidente.
Vejo e oiço as equipas de psicólogos a tentarem fazer o possível para que o moral dos familiares não fiquem a um nível zero.
Vejo e oiço os familiares chorarem e lamentarem a perda dos seus entes queridos.
E oiço alguns, que por este ou aquele motivo os seus familiares não foram nesse voo e logo salvaram-se de uma morte horrível, carregados de egoísmo dizerem que foi graças a Deus que eles não foram nesse voo!
Para mim, isto é o egoísmo .dos crentes. Então e os que morreram? Foi ou não graças a Deus? Porquê Deus, salvou alguns de morrer e deixou que os outros morressem?
Não, não sou crente... também graças a Deus!
A. da fonseca
Confissões de uma Vítima de Violência Doméstica
Sou um corpo que deambula ao acaso,
Que vive com medo todo o dia.
Amostra de ser mal amado
Sem conhecer felicidade e alegria.
Uma mulher constantemente criticada
Que chora apenas escondida,
Consciente que não vale nada,
E a imagem totalmente denegrida.
Escondo os hematomas como sei.
Habituei-me há muito a mentir...
Vivo uma vida como nunca pensei,
Com a maior parte do tempo a fingir.
Esta mão, assim queimada, e a doer,
É porque sou tão distraída...
Meti-a numa panela a ferver
E fiquei tão arrependida.
Tapo as nódoas negras com roupa
De Inverno, mesmo no Verão.
Apenas porque sou meia louca
Passo a vida a cair ao chão.
A boca, assim cortada,
Foi apenas porque sorri...
Não sei estar calada...
Apanhei porque mereci.
Quando parti o braço direito,
Foi porque me maquilhei nesse dia.
Mas afinal, foi bem feito,
Porque parecia uma vadia.
O meu corpo está tão cansado
Não aprendo a me comportar
Para viver bem com meu amado,
Que tudo faz por me amar.
Farta dos meus erros e maldade
Subo até ao vigésimo andar!
Salto, enfim, para a liberdade,
E já sou feliz... a voar!
Este poema já foi publicado aqui, a 29/06/2007.
A pedido de uma amiga, volto a (re)publicar hoje.
Quando eu morrer
Quando eu morrer
Me pesará a terra
E não serei
Qualquer coisa
Diferente
De seixos e pedras.
Quando eu morrer
Não sentirei mais
Qualquer carência
E ainda serei matéria,
Vida
A segregar
Purulenta.
Quando eu morrer
Não sentirei
Qualquer necessidade,
Serei apenas
A verdade plena
Da caveira.
Quando eu morrer
Deixarei de ser
O que sou:
Eu, indivíduo,
Ser fechado
E descontínuo
Para me tornar
Inorgânico
Ao todo reunido.
Quando eu morrer
Nada importará,
Quem sou,
Quem fui,
Se vivi entre amigos
Ou feras,
Se fui luz
Ou se fui treva.
Quando eu morrer
Ninguém me pesará
Para saber
Se pesei
Ou se fui leve,
Se cri
Ou se sofri,
Se neguei
E fui feliz,
Se fui algo
Além
Desse ser
Que vela,
Espera
E diz amém.
Quando eu morrer,
Certo torpor
Sentirei,
Nuvens minha vista
Nublarão
E, enfim,
Irromperei
Na escuridão.
Quando eu morrer
Nada verei,
E de tanta vida e beleza.
Não conservarei
Qualquer promessa,
O rosto vão das certezas,
O fogo da juventude
Que nos inflama
E ilude,
O gozo e a chama
Desse corpo
De vicissitudes
Que chora e ama.
Quando eu morrer,
Nada verei,
Nenhum senhor ou rei,
Prato, juiz
Que pesa e condena,
Serei defunto, matéria
Que não revela
Se vivi parco
Ou deveras,
Se fui fraco
Ou se fui forte,
Mas apenas
Que, efeméride,
Ensaiei breve ato
Para a morte.
Quando eu morrer
Qualquer coisa serei
Que não se pesa,
Algo mudo, inerte
Para alguém que reza
E acende uma vela.
Um lobo solitário
Um toque, a posse...
E um nome que adormece.
A dor - o sentimento e o louvor,
A morte e seu mestre.
Na noite infinda
Fez-se claro o seu desejo:
O mestre, a obra e a lira,
O amor, o seu amor, e seu segredo.