toada para lembrares de mim numa sexta-feira à tarde
um trecho consistente e claro
do paraíso... esta marca férrea do teu beijo
que me feriu de espasmos o ventre...
volta,
deixa que eu sofra outra vez o céu
- caminhar com as mãos descalças
no teu corpo inteiro...
que o mundo está quase no fim
e ainda não fui suficientemente
triste.
sexta-feira. manhã.
acordei cedo. trago aos ombros o corpo da noite, pesado como chumbo, a noite que me revelou o castigo. talvez o abismo cerebral onde me meto mate os bichos que teimam em comer-me o sono, a que costumo dar o nome de memórias. lá do outro lado de um sono em estado semi-vivo adormeço parcialmente a pele. declaro-me culpada quando abro os braços e sinto a vida prender-me os movimentos. tu andas ocupado com as tuas gaivotas, preperar a fome no mar alto. sonhei que havia um planalto onde secavam meios pares de pernas e braços ao sol, era um sol que queimava, entrava pelos poros quase até aos ossos, fervilhava, borbulhava. sonhei que havia uma árvore dentro da encosta, falava uma língua estranha, coisas da terra hábil, contava a história dos meios pares de braços e pernas que secavam ao sol, que tinham sido cavaleiros do apocalipse, mais tarde tinham sido apenas ceifeiros. a imaginação é um laço que nos enfiam ao pescoço, eu acordei com um laço de corda no meu, bem feito, se me atirasse cama abaixo morria. mas que outra morte desejar senão esta, que outra morte querer com tamanha afeição senão esta que me consome e me persegue o corpo enlatado de revolta. sei de um abismo maior que a encosta do planalto sonhado, menos real, mais catártico. sei dele exactamente no lugar dos meus sonhos. e tu ocupado com as tuas gaivotas.
Sexta-Feira 13
Jogam-se os búzios nas cartas do tarot,
No medo de ontem pintado em disfarce
E no olhar flácido da velha concubina.
Selam-se os dados lançados e os orixás,
Palavra seca que falou e não mais calou
Sem cor nem forma, sombra sem realce,
Na vida assim, enrolada em serpentina,
Folhas rasgadas, notícias boas e más.
Arde em mim o teu gélido olhar
Pasmado sentimento náufrago da vida,
Pássaro aziago engaiolado na mente
Na raiva de ser sem nunca querer.
Raízes minhas que rogo não lembrar
No esporro desta mísera voz escondida,
Na quente lama dos dias, irreverente,
Passos pisados na alma, a tremer.
O impropério que me persegue e acompanha,
Que escolta a banalidade do meu vento
Com rugidos de bestiais corcéis,
Solta-me nas asas de Deuses olímpios.
Feto bizarro de morte estranha,
Que dita as leis deste azar violento,
Crosta desta terra sulcada em papéis,
Pedra sagrada de todos os princípios.
Gritem o velho braço cansado da árvore,
O secular tronco inerte que chora a dor
Ferido de lutos por meninas histórias,
Espadas cortantes em sangue flamejadas,
Em alvas lágrimas que lavam o mármore.
Suicidam-se em campas rosadas de amor,
Saídos de lendas com tamanhas glórias,
Feitiços imortais de bruxas esquartejadas.
Sexta-feira à tarde
Chega o final do dia
uma doce melancolia
apodera-se dos corpos
cansados pela semana de trabalho.
Ardem de desejos os namorados
e antecipam a noite de prazer.
O reencontro.
Chega-se a casa
quem tem casa.
Os outros,
deixam-se estar.
Sexta-feira, treze de agosto
Sexta-feira, treze de agosto.
Hoje é sexta-feira, treze de agosto
Com muito gosto vou agora explicar
Que não dá azar e sim é o oposto
Que até muita sorte pode nos dar
Se caso ver um gato preto passar
Não tenha medo e fique tranquilo
Pois amanhã sua cor não mudar
E um gato andar é do seu estilo
Se há uma escada na sua calçada
Não faça nada e vá caminhando
Pois ela de mal não lhe fará nada
Se ver um cachorro latindo, roco
Pode fazer pouco e fique olhando
Que com certeza ele não é louco.
jmd/Maringá, 13/08/21