quinta-feira.
queria construir uma balança onde equilibrar o afecto. estou terrível, não sei onde parar a solidão, deixar morrer. falo para o vento, espero que te encontre hoje sentado em frente ao mar, talvez te leve as gaivotas um pouco para mais longe ou um pouco para mais perto, não sei já o peso do coração. tenho nos olhos a crescer sargaço, na pele das mãos urtigas. não sei como dar as mãos ao corpo, não sei como dar o corpo ao mar. hoje queria despedir-me de ti com um beijo, trago nos dentes um feriado por dizer, é quinta-feira e estou ainda em pânico. se me deixares talvez te constrúa um lugar novo, que não caiba no destino, onde acordar seja como abrir os braços ao vento e voar alto, sobre os penhascos, na copa das árvores em círculos, passar pelo tempo sem ele passar por mim. o resto, que não te disse hoje por não saber o que fazer, é esta vontade de te trazer para mais perto.
É QUINTA-FEIRA....
Quinta-feira...
Aula de Esportes... Futebol na quadra.
Jovens maravilhosos, canalizando diversos sentimentos naquela atividade.
Cada um, trazendo sua dor... sua alegria...
Esse turbilhão de emoções que existe no coração dos jovens.
Um futebol maravilhoso!
Eram crianças grandes, correndo atrás da bola!!
E havia uma admirável criança... PEDRO.
Criança?
Sim... Um generoso coração de criança.
Nossa! Que coração!
Gosto muito de observá-los quando atuam...
Seus comportamentos, socialização, o “viver” em grupo.
Mas, devo confessar que adorava vê-lo jogar.
Havia sempre um carinho para mim, guardado em sua “manga”.
Não posso traduzir a generosidade desse garoto...
Não consigo traduzir o meu afeto por este garoto.
Mas posso traduzir a imensa gratidão a Deus...
Por ele ter passado em minha vida profissional...
E ter-me ensinado, tantas vezes, a ser uma pessoa melhor.
Exercitando minha paciência...
Ensinando-me que o carinho transpõe qualquer sentimento ruim.
Aliás... Nunca consegui ficar “brava” verdadeiramente com ele.
Nenhum de nós...
Porque ele sempre fazia uma excelente reflexão sobre seus atos.
E sempre os reconstruía... com muita humildade, decência, reconhecimento... Isto o traduz.
Muitas vezes, mais educador do que eu.
Sempre defendendo, intercedendo por seus amigos...
Eu costumava dizer pra ele que poderia ser um excelente advogado!!
E ele dizia: “Quem sabe, ‘né’, professora?!!”
Quinta-feira... Quadra... Futebol...
Ele fez um gol para mim...
E gritou meu nome, bem alto!!
Braços abertos... e presenteou-me.
Seu grito... ficará ecoando em meu coração.
Nas árvores, em volta daquele campo.
Nas gavetas de minha memória.
Tenho, hoje, mais um degrau abaixo de minha trajetória profissional.
Mais um aprendizado... e uma enorme perda.
Porque, PEDRO, você me foi um grande desafio...
Ensinou-me muito.
E, fundamentalmente, mostrou-me que vale a pena SIM...
Continuar acreditando no ser humano como protagonista de suas ações.
Porque você evoluiu muito enquanto ser humano, PEDRO.
Evoluiu, espalhou amor... e partiu.
Até um dia, filho.
Deus esteja contigo.
(HOMENAGEM PÓSTUMA A UM EDUCANDO QUE PERDÍ PARA A SOCIEDADE)
Karla Mello
Junho/2009
Quinta-Feira Santa (William Blake)
É coisa santa de se ver,
Em terra fértil e opulenta,
Deixar na miséria um bebê,
Nutrido por mão avarenta?
Este grito é uma canção?
Será ela de alegria?
E tantas crianças pobres?
É uma terra de indigência!
E seu sol nunca tem brilho.
Seus campos secos, desertos
Seus caminhos, com espinhos
E lá é um eterno inverno.
Pois onde quer que o sol brilhe
Onde quer que a chuva assente:
Bebês não podem passar fome
Nem miséria assustar a mente.
William Blake (1757-1827), poeta e artista plástico inglês.
Imagens: Uma criança africana e outra das Ilhas Salomão (cabelos loiros, traço genético característico da ilha).
Quinta-Feira da Paixão
Esta noite é mais longa do que as outras
É uma noite mais fria do que todas
Nunca uma noite foi tão estranha
Como esta de que falam nossas bocas!
Esta noite cheira a ódios sem destino
É a noite que mergulha o mundo em solidão
E há sombras a espreitar em cada esquina
Com vontade de prender um coração!
Esta noite tudo é podre nos olhares
Só há trevas nos gestos e nos corpos
É a noite que jamais terá retorno
Porque prende na tumba os seus mortos!
Esta é a noite em que o Senhor é manietado
Preso com grilhões de um pé à outra mão!
Que estranha noite é esta cheia de punhais?!
É a noite de Quinta-Feira da Paixão!!!