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QUEIXUMES DE UMA BOLA DE FUTEBOL

 



A BOLA DE FUTEBOL

...Ai bruto!!! – Refilei, quando um violento pontapé, me atingiu e me fez voar e uma velocidade estonteante, fazendo-me embater na trave, provocando um grande estrondo.
Um áh de surpresa, saiu da boca dos espectadores, o que abafou o meu grito de dor.
No ressalto, levei uma enorme cabeçada, fazendo-me regressar, agora um pouco mais baixo, e, de novo voando, entrei na baliza, batendo na rede interior que amorteceu o choque, e me fez resvalar para a relva onde fiquei rodopiando.
Gooooolo! – Ouvi gritar a multidão.
Apartidária em relação ás clubites, vi bandeiras, cachecóis, punhos no ar, vi jogadores a rir e a saltar, e quer entre jogadores e publico vi outros tristes e a chorar.
Ali sossegadinha, mas arranhada e dorida, pensava que afinal, todas aquelas alegrias e tristezas, eram por minha causa.
Nada daquilo se passaria, se eu não existisse....sim eu...a bola, o esférico, a redondinha.
Se eu não existisse, aqueles 22 matulões, que ganham rios de dinheiro a dar-me pontapés e, metade deles não tem curso nenhum...sim, que fariam?...Teriam que ir para as obras, onde teriam que utilizar as mãos e, por dá cá aquela palha seriam eles chutados, mesmo a ganhar o ordenado mínimo.
Eu, não sendo um modelo de revista com as curvas duma mulher, sou eleita internacionalmente pela UEFA e pela FIFA, para me exibir, nas mais rigorosas passareles, de todo o mundo.
Afinal eu sou a rainha do espectáculo e depois de um golo, ninguém me prestava atenção.
Ali anichada e sossegadinha, porque enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, por sinal bem doridas por tanto pontapé, eis quando um daqueles jogadores, talvez enraivecido, agarrou em mim, e com um pontapé me atirou lá para as alturas.
No trajecto, deu-me para ver os camarotes VIP, com garrafas de champanhe e whisky, sorrisos, enquanto os coitados dos espectadores, sem terem direito a uma cerveja, lambiam os lábios ressequidos.
Quando atingi o cume da flecha, suspendi-me no ar, ignorando o fenómeno de que tudo o que sobe tem que descer, por atracção terrestre, e tive tempo, para ver que fora do estádio, a vida decorria normalmente.
Nas ruas os carros passavam em velocidade moderada, as pessoas passeavam na relva, também verde dos jardins e, as crianças brincavam alheias aquele frenesim.
Mas o que me chamou mais a atenção, foi ver num pequeno terreno pelado, perto do estádio, dois putos a jogar á bola.
Tinham uma bola pequena, de borracha e já meio encovada.
Os meninos, um de pé descalço e o outro com uns ténis meios rotos e gastos, dominavam a bola com maestria..
O dos pés descalços, acariciou a bola com a sola encardida do pé, e, num movimento rápido, levantou a bola , rematou, fazendo bola passar, por entre duas pedras que serviam de baliza.
Goooolo!!! - Gritou para uma assistência inexistente...levantado o braço.
Ninguém lhe bateu palmas, apenas o outro lhe disse:...Não foi golo, passou por cima da barra!!!.
Uma barra imaginária que seria da altura deles...
Olhei-os enternecida, pois se eu fosse chutada, por uns pés como aqueles, eu não teria batido estrondosamente na barra, teria entrado logo na baliza.
Ainda suspensa no ar, olhei para o relvado, onde os jogadores, os árbitros e os espectadores, admirados por estar lá no alto imóvel, olhavam para mim de boca aberta.
Coitados!...Nem se lembravam naquelas alturas, que há alturas em que o pensamento voa.
E o meu pensamento voou, para as mãos daqueles dois meninos, enquanto caia desamparada, quase no centro do campo de futebol.

Delgado
Set2209


Sou desenhador,pintor e poeta e, nas minhas poesias tento desenhar e pintar os meus pensamentos

 
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Delgado
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