Dramas que não se findam.
I
Havia um Rei altivo, e um trono dourado.
Chamava-se Rei Per Se, de olhar apagado.
No seu reino de espadas, flutuavam jóias.
Degustou à farta dos veludos e glórias.
Mentiu o trono, ser eterno o ouro luzente.
Pensava ser rei à morte, ao corpo jacente.
Curvara ao ver sua Rainha Ara, sem vida!
Lívida, sem trono, sem coroa, pungida!
Complicara o ventre, o filho deixou ao léu.
Deu a luz do mundo, ganhou a luz do céu.
Como o luar sobre o oceano profundo.
Voou para o céu. Ficou o filho no mundo.
II
Entre o Rei e àquela madona, havia amor!
Que suspirou na agonia do quarto à dor.
Lembrando-a nos nevoeiros da cerração,
Que fluía das cavernas do coração.
Pobre Rei, tão convulso à espreita disfarçado.
No vácuo do reino, qual um sino curvado.
Fizera-se ebrioso nas torres sombrias.
De gemidos convulsos pelas noites frias.
E o pajem da corte, afeito às noites douradas,
Do Rei apiedou-se, em lágrimas assoladas.
Ouvindo seus delírios: - Meu amor, Adeus,
Que vazio o mundo, nos tristes olhos meus.
III
Sobre as frias vagas do mar, o pajem viu,
Que ébrio o rei, desmaiado na água submergiu.
Nos braços o tomou, levando ao capelão.
Gemendo acordou, confessou-lhe o coração.
-Vida, eis que é breve!... Morte, eis o que nos destina!
Seremos? Ser o não ser? Tudo ou nada a sina?
Eternidade, ou o ser findará de vez?
Cismava os mistérios da morte em languidez.
O Capelão Sextus pensara que era irmão,
Da própria Rainha, e usou da posição.
Teceu cilada para tomar-lhe a coroa.
E o órfão Príncipe herdeiro, deixá-lo à toa.
IV
O capelão instigou-o, à rainha alçar.
Do cemitério, fria, o seu corpo tomar.
E pô-lo no átrio, num caixão de ouro lustral.
Cingido por uma redoma de cristal.
Fidalgo astuto, à espreita ditou ao arqueiro,
Que havia voz na campa de estranho brejeiro.
O bravo lançou uma flecha velozmente.
E desferiu-lhe no peito carnudo e quente.
No clarão do archote, com a aproximação,
Exauriu-se ao reconhecer seu Rei no chão.
Abraçado à rainha lívida sem vida.
E uma flecha no peito, de sangue tingida.
V
Sua boca as últimas ditas discorreu:
-Finda-se aqui nesta noite, o que Deus me deu.
Sombras da morte já apagam os meus sentidos.
Vidrando os olhos, emudecendo os gemidos.
-Não temo mais a noite, vou em paz voar.
Bravo, guarda o meu filho das vagas do mar.
Arqueiro, em guarda! Acertou o meu coração,
Mescla às lágrimas meu sangue frio no chão.
Desfaleceu, dormiu!... à rainha abraçado.
Pela treva da culpa o bravo arqueiro alçado.
Com a boca convulsiva soltou um grito.
Ao uma flecha cravar-se, no peito aflito.
VI
E o capelão fez covas e os três enterrou.
Respirando glórias, foi ao paço e gritou.
De coroa real, no trono auto empossado.
E para provar ser um Monarca enviado,
À plebe falou ser apóstolom divino.
Pura linhagem de Dom Sanctus peregrino.
Com rotas vozes, vetor dos céus, eloqüente.
À alcunha de semideus, um puro demente!
Fez de serviçal da corte o Príncipe herdeiro,
Que na longura do suplício verdadeiro,
Jovem, fugiu a uma ermida. Ser eremita!
Meditar, buscando a sapiência bendita.
VII
E feito Rei, leu nas letras confidenciais,
fora adotivo mas aceito aos serviçais.
E mesmo bastardo, à rudeza que assumia.
Seu sangue ao da rainha nada parecia.
Contudo que tinha jus ao trono aventava.
Dizia-se enviado divino, assim reinava.
Vivia e envelhecia com a cruz e a espada.
No ócio da nobreza vendo a gleba suada.
Teve seis filhos bastardos, todos morreram.
Seis é um número impuro. Outra filha, esconderam.
Pois o Rei e os seis cometeram desiguais.
Todos vis, os sete pecados capitais.
VIII
O rei: soberbo, urdia verbos de desdita,
De ecos nos filhos como blasfema maldita.
O primeiro: glutão, morreu louco do ventre.
O segundo: vaidoso, morreu constringente.
O terceiro: irado, morreu pela agressão.
O quarto: avarento, morreu de inanição.
O quinto: luxurioso, morreu na orgia.
O sexto: preguiçoso, morreu de atrofia.
Macilento sobre o trono, o Rei assombrava.
De rir-se, queimado de febre delirava.
Pois um a um, seus seis arcanos feneceram.
E a filha misteriosa, nos véus esconderam.
IX
Um dia ao reino um estranho pede entrada.
E à frente vem a bravíssima guarda armada.
Era um monge no aspecto, com uma paz no peito.
Se passivo, viço ao campo, seria aceito!
À leiva juntou-se aos pobres trabalhadores.
De face calma, revelou os seus pendores.
Que foi instruído nos provérbios de Salomão,
Nas leis do espírito, evangelho e Platão.
Trazia todo o resumo da esfinge na alma.
De olhar penetrante mas que exalava calma.
Sábio, carismático, a todos cativou.
Viram que era o Príncipe que sábio voltou.
X
E o sábio Quum, mostrou um abutre em descida,
Esperando a morte de uma cobra ferida.
Mostrou-lhes a lição que sem ser águia astuta,
Com paz e com paciência se vence uma luta!
E traçado estava sem sangue a derramar,
Às sendas do sagrado o reino retomar.
Com água, azeite e incenso, emblemas do infinito,
E jatos de luz. poriam no rei aflito.
O bastardo Rei Sextus, de olhares convulsos,
Que o sangue inimigo fartava seus impulsos.
Era a devassidão que os seios dominavam.
Ao mormaço do vinho, ilusões que voavam.
XI
Uma guerra oculta numa noite ao luar.
À espreita a multidão, e o príncipe a guiar.
De água impregnaram: o pão, o vinho, os celeiros;
De azeite: o castelo e as armas dos arqueiros;
No átrio: sete piras de incenso fumacento.
O vinho enlanguesceu, mofou todo o alimento.
Do azeite, o rei fez-se um Bobo, andava e caia.
Deslizava a flecha, o arqueiro se perdia.
O olor do incenso espalhou qual a aluvião.
Enleava-lhes a alma, a mente e coração.
Macilentos um a um rogaram clemência.
E o Rei Sextus jogou-se da torre em amência.
XII
E o sábio tornou-se Rei, e o reino encantou.
Do mofo dos celeiros, a gleba adubou.
Todo azeite, com cinzas de incenso extraiu.
No trono perfumado sentou-se e luziu.
E a dos véus, voltou e adoçou sua razão,
Filha do Rei Sextus atou seu coração.
E o que ela queria? Deixo-vos um mistério!...
Se amava ou vingava?... Olhar irônico ou sério?...
São dramas que não se findam. Sendas doridas.
Amor, ódio, poder, morte, traição, feridas.
Um Príncipe exilado que em sábio se fez.
E um Rei bastardo que da torre se desfez.
FIM.